Moras-me em duas cidades, no Porto, a que conheci entrando sala adentro
Levitando numas allstar velhas, a que senti dentina no lábio inferior,
A que desejei em versos e noites acendidas com mensagens tímidas lidas
Por namorados barbudos que te tinham de mão cheia e sotaques perfeitos,
Com quem bebias champanhe e fodias em carros pequenos,
A com quem sonhava Paris em águas-furtadas forrada com livros e sonhos,
Com quem jantei uma fome enorme vencida pelo medo da mesma vontade,
A outra mora em Paris, a que arrastei comigo e que nunca consegui apagar
Com a carne das outras, a que pinto com histórias que não vivi,
A dos sonhos recorrentes e do sorriso que já não me pertence, impossível,
A que ficou latejante na memória do sangue que se renova e nos afasta,
Que encontro numa reunião quântica na permanência das sinapses
Nas ruas onde estivemos em tempos separados, numas águas-furtadas
Onde alguém bebe o vinho da garrafa que não se abriu, enquanto outro lê
De olhos fechados e em voz alta todas as palavras que não se trouxeram,
Na verdade não moras em duas cidades, és a ponte, em mim, entre a memória
E o sonho, o passado e a ausência, a ponte onde me és possível e presente.
Turku
20.06.2017
João Bosco da Silva
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