quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

Barco da Cristal 

Sabes, a areia de Venice Beach pode ser tão fria quanto a terra 
De Père-Lachaise, basta uma noite de inverno pobremente báltica, 
A solidão gelada num estômago cheio de arrependimento, 
Que farias diferente, se não fosse para cuspir nos olhos, 
Não terias acordado neste mundo moribundo de certezas, 
Sabes o Sol nórdico pode ser tão quente quanto o equatoriano, 
Basta apertares os dentes enquanto esperas uma manhã 
Que não conhecerás, olhando página a página os lábios onde foste, 
E com as mãos vazias agora agarrar tudo, fazer de uma ilha outra vida, 
Em vez de memórias e futuros que se calhar chegarão quando demasiado tarde, 
Mas antes que adormeças, deixa-me ter mais um verso, 
Mais uma oportunidade de amanhecer luminoso, 
Mais um copo para as décadas que se calhar não terei que repugnar, 
Diz-me só que as promessas encontrarão corpo apenas nos sonhos, 
Ou numa Quioto futura onde nunca nos encontraremos, 
Porque encontrarás mais uma distração que te guie 
Ao cansaço e à resignação, espero-te na areia ou na terra, 
Barco de cristal, desespero último do amanhecer sem ilusões. 

15.01.2020 

Turku 

João Bosco da Silva 

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