quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

Poeta em Fim de Carreira 
  
Já há muito que deixaste de ser o miúdo novo da escola, 
Eras jovem e magro, até marchavas, mas os anos somados à magreza 
Tornaram-te apenas caquético, um tísico de corpo e alma, 
Seco como um líquen agarrado a um carvalho doente, 
Ninguém se interessa pelos teus mortos, pelas fodas que deste, 
Nem àqueles a quem entraste, varreram-te como um sonho de sesta, 
Até te toleravam o uso da poesia como forma de salvares o passado, 
Mas nunca te viram com futuro, que entretanto chegou vazio, 
Ninguém perde tempo com os teus cabelos brancos, 
Os desamores efusivos da juventude agora apenas versos sem vigor, 
Com a pujança de uma próstata doente contra uma parede aflita, 
Nunca foste um poeta a sério, pelo menos não tão a sério quanto 
Os que fazem da poesia carreira política, nunca te preocupaste com prémios, 
Mas conquistaste ao menos a posição de maior palheiro da aldeia, 
Esperas que os garotos vão fumar em ti às escondidas, 
Contas com a sorte de um azar que te acenda, mas choveu na palha, 
Como esquecimento e nem que o cigarro lhes caia das mãos, 
A noite continuará escura e cada vez mais, menos interesse terão em ti,  
Envelheces, esgotaste na falta de jeito todos os versos possíveis, 
Agora aceitam o teu último livro como um panfleto numa rua agitada, 
Com sorte esquecem-te no bolso de um casaco, o mais certo é ficares 
Logo ali, no caixote do lixo mais próximo, ridículo como mais um poema. 
  
13.01.2020 
  
Turku 
  
João Bosco da Silva 

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