Encornar pelo Seguro
Acordar, às vezes chega, com um remorso trazido em segunda
mão de um sonho,
Uma ex-namorada, confrontando-te com um erro de cálculo,
podia ter sido,
Mas não tinha sido, desaparecendo numa festa familiar,
impossível,
Sem os muros de pedra debaixo de macieiras, onde ficou
aquela fome de ruivas,
Os olhos verdes que hoje, só os mesmos quando fecho os meus,
Ou olho uma fotografia perdida, reconheces quem tenho aqui,
disse,
No sonho, e ao lado uma mulher mais ou menos da idade dela,
quando jovem,
Totalmente desconhecida, alguém que teria fodido com gosto,
Como tantas outras cujos rostos tento reconstruir como um
puzzle forçado,
Não, nunca a vi, um rosto como tantos outros que passaram
pela juventude,
Uns de joelhos, outros apenas alguém que passou no
autocarro,
Aquele remorso reciclado, mas foste tu que me ensinaste a
trair,
A foder como vingança, ou para assegurar a honra na
vergonha,
O teu paradoxal sorriso inocente, nesses mesmos lábios, que me
contavam,
Que tinhas fodido este e depois aquele, e o que mais me doía
era a tua sinceridade,
A naturalidade com que me arrancavas as fibras da ilusão, que
podia fazer se te amava,
A não ser foder estranhas em casas de banho públicas, só para
equilibrar
O peso dos cornos nos teus e manchar os nossos lençóis com o
esperma
Que escorria de corpos breves, quando tu não estavas e eu só
temia os teus lábios.
06.11.2020
Turku
João Bosco da Silva
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