1.
Sob o mar branco
de tranquilidade
todos os infernos.
2.
No rio da infância
toca-se
a eternidade.
3.
Dentro do rio
passo
como um dia quente.
4.
Os pés cresceram
as pedras
ficaram afiadas.
5.
Logo foge a cobra
do medo
dos homens.
6.
De cachos abertos
a vinha recebe
a doçura do Sol.
7.
Sobre o lume
a grelha
aguarda o crepúsculo.
8.
No silêncio da distância
os cansaços
que nos esperam.
10.
Besouro negro
que procuras
no girassol?
11.
À sombra da macieira
apodrecem as maçãs –
não há fome.
12.
Mantêm-se altivos
mesmo na canícula
os girassóis.
13.
A adega do avô
fresca
como na infância.
14.
Que ano esperam
aquelas garrafas
no canto escuro?
15.
Peixes e alfaiates
os meus olhos
e a persistência.
16.
Corre o rio
e permanece –
folha amarela.
17.
Persiste na canícula
o ramo espetado –
pai dorme a sesta.
18.
Salvo pela moral
o peixe
que a cobra pescou.
19.
Cobra contra peixe
ambos lutam
pela vida.
20.
Quase quarenta
à sombra
eu feliz como vinte.
21.
À sombra da figueira
amadurecem as uvas
espera a aranha.
22.
Só as moscas
se atrevem
no silêncio da canícula.
23.
Nos olhos fechados
ao Sol
ainda as papoilas.
24.
Na lavanda
espetada na barba
uma pequena aranha.
25.
Sabem-me à infância
as amoras temperadas
com o pó dos caminhos.
26.
O Sol no seu cabelo
de qual nasce
a luz?
27.
Em peregrinação
às fragas da infância
pela canícula.
28.
Três vezes neste cruzamento
me extraíram
a seiva da figueira.
29.
Que frescura terá
a minha
sombra?
30.
Em três corpos escorreram
neste cruzamento
lágrimas de figueira.
31.
Quantas formigas
terei pisado
neste passeio bucólico.
32.
Compreendem-se melhor
as fragas
em silêncio.
33.
Debaixo do carvalho
frescos os sons
da povoação distante.
34.
O ar quente
faz tremer a distância –
canícula.
35.
Que te atormenta
galo que cantas
na canícula?
36.
Duas estrelas
dançarinas –
o sol no seu cabelo.
37.
Grilos cantam
cães ladram –
lua laranja.
38.
Que alívio não compreender
o ladrar dos cães –
noite de verão.
39.
O cuco aproveita
a frescura da manhã
para cantar.
40.
Cuco canta
um rádio toca –
manhã de Agosto.
41.
Sobre a terra seca
cai um figo
antes de amadurecer.
42.
Protegida pelos girassóis
cresce
uma beringela.
43.
Ouvir o cuco
dá-me saudades
do negrilho que secou.
44.
Quando chegar
a primeira geada
onde cantará o cuco?
45.
Na terra onde secaram
dois pessegueiros
crescem quatro oliveiras.
46.
Que faria o caçador
se compreendesse
o cantar da rola?
47.
Manhã fresca
a rola canta
como a água corre.
48.
Grilos cantam
estrelas brilham
gemidos no cruzamento.
49.
No estendal abandonado
as molas da roupa
esperam.
50.
De manhã as moscas
apressadas
como gente ensonada.
51.
Nos olhos perdidos
a aridez
do centro da cidade.
52.
Põe-se o Sol
e eu
nela.
53.
Apertada num vestido
verde
a minha vontade.
54.
Folha de salgueiro
cai sobre o rio –
entardecer.
55.
Parece chover
ao entardecer –
alfaiates no rio.
56.
No canto dos grilos
ecoa o Sol
que se pôs.
57.
Sob a lua laranja
cantam os grilos –
noite quente.
58.
Ao longe o candeeiro
da aldeia
quase deserta.
59.
“Acaba sempre
o verão” –
cantam os grilos.
60.
Numa casa vizinha
alguém mete telhado novo –
manhã de Agosto.
61.
Da fraga granítica
brota
o pinheiro bravo.
62.
Cultiva distâncias
colhe
solidões.
63.
Defecado na Primavera
o excremento
também secou.
64.
Lembram-me
amantes perdidas
os montes queimados.
65.
Que agradável
o vento
antes da tempestade.
66.
Pinheiro tombado
cresceu demasiado
em pouca terra.
67.
Na ribeira seca
um mar
de moscas.
68.
Levamos nosso corpo
ao lugar onde foi jovem –
ilusão de permanência.
69.
Antes do relâmpago
está já
o verão acabado.
70.
Aquela nuvem distante
será água
sobre esta fraga.
71.
Floresce a flor
do cacto –
tempestade de Setembro.
72.
Hoje ninguém
se queixará do pó –
dia de tempestade.
73.
Acariciando o gato velho
a água da chuva
vai secando.
74.
Será este Outono
o nosso
velho gato?
75.
O pai diz:
“Vou plantar nabos” –
choveu.
76.
Enquanto o gato se limpa
o sol regressa
depois da tempestade.
77.
Se as emigrantes
me quisesses tanto em Agosto
como as moscas em Setembro.
78.
Uva a uva
haiku a haiku
moscatel e Yosa Buson.
79.
Terra lavrada
depois da chuva –
que perfume antigo.
80.
A água que acabou de cair
bebe-a o gato
do balde.
81.
Sabendo do Inverno
tomo ao lado das romãs
o sol de Setembro.
82.
Sentado sobre a pedra
trazida da ribeira
também eu passo.
83.
Nos ramos secos do carrasco
os líquenes
continuam a luta.
Agosto-Setembro 2021
Torre de Dona Chama, Cidões, Porto
João Bosco da Silva
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