Borralho 3
Cabernet Franc e o silêncio defunto de todas as amantes,
Hoje umas velhas, cada uma um cabelo branco, uma ruga,
Um evitar de espelho, um filho que ancorou a resignação,
Outro que afundou o que restava da juventude,
Eu acho que vivo para ser memória, um arrependimento
Que hoje nunca, um terrorista sem-abrigo confortável,
Com um trabalho essencial que nem pandemias param,
O fumo que curou o fumeiro hoje apenas nas paredes
Do que foi a própria pocilga da porca que comia
Os gatinhos recém-nascidos, oferecidos numa crueldade
Inocente, a do pior tipo que nem deus julga, engolidos
Entre merda e batatas que tinham ficado esquecidas,
Cacarejam as galinhas enquanto Rimbaud eleva a pena
De um poema no reflexo das Ardenas num buraco negro,
Eternamente, como o arrependimento, o bochecho
Oxigenado num exagero pouco definido, a eternidade,
O azul que se visita às escondidas, num pequeno-almoço
De ostras e o Hemingway a explicar ao lado, também,
O sabor de uma pêra e a morte que água de couves cozidas
Antes de um corno se enfiar na continuidade da carne,
Tudo isto é estrangeiro como os órgãos que nos levam
Ao momento que nos permite a leitura de qualquer
Movimento peristáltico, o nariz sangra contra o
papel-higiénico,
O Cabernet Franc vai-se engolindo enquanto não se engasga
O tempo na sorte ou a falta dela, certo é o outono.
Turku
11.10.2022
João Bosco da Silva
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