Pequeno-Almoço Tardio
Quer comprar esta revista, ou pelo menos dê-me algum, estou esfomeado
E eu pergunto-me, onde terás deixado a vida, amigo.
Deixaste cair a alma pelos rasgões na tua casaca de poliéster,
Envenenaste o espírito com pequenas agulhas, chupaste-te até te perderes,
Perdeste a vontade de fazer a barba pelo menos de três em três dias,
Deixaste de poder tomar banho, a família não quer ouvir falar de ti,
As portas fecharam-se todas, é isso amigo?
Sei que a tua fome é outra mas levo a mão ao bolso, porque ainda é cedo,
Cedo para ti, é sempre cedo para perder um pedaço de nós, grande ou pequeno
E dói sempre se não há o que nos anestesie o processo.
Também passei meses bêbado, também tive fome porque a ressaca,
Sabes bem o que é a ressaca, estás incapaz de comer neste momento.
Sabes que também tentei esquecer, tanto que os outros é que acabaram por me esquecer
E agora ainda tenho uns trocos para ti, amigo.
Leva a tua revista, descansa a dor numa imagem que te agrade, encontra respostas
Em palavras insuspeitas, um sentido numa frase aparentemente inócua,
Enche o forro do casaco se vier frio, que o papel ajuda.
Não te mintas, porque estás perdido se também deixares de acreditar em ti.
O mundo encostou-te a um canto, estás só, mas levo-te comigo, sujo, loiro e sujo,
Olhar perdido de quem só procura a redenção do aniquilamento,
Andar andrajoso, cansado da vida e do mundo que ela carrega. Não é amigo?
Também te prometeram que ia ser fácil, que é uma brincadeira,
Que terás sempre uma mão, um bom dia pela manhã, um beijo pela noite
E uns braços que te aconchegam nas noites frias? O mundo é uma grande mentira
E só a fome que dizes sentir é verdade neste momento, eu sei amigo.
O pior não é ser abandonado, o pior mesmo é abandonar,
Abrir as mãos, ficar livre e vazio e com o peso todo e escuro,
Sem olhos para além de uns meros passos, porque o momento também já passou.
Toma lá estes trocos e dá-me um momento de paz, fazer a diferença,
Seja ela qual for, porque me tenho sentido tão inútil, tão pequeno, tão só e incapaz.
Tenho-me sentido tão sujo por dentro, passo horas no banho,
Deixo que a barba me esconda, não visito a família, eles sentem a minha falta
Mesmo quando estou, sou o fantasma da vida que me morreu.
Quantas vezes se pode morrer, amigo, antes da última vez?
Uma não é? Depois é uma vida de morto-vivo, de cemitério andante,
Navio fantasma condenado à eternidade do que o corpo nos deixar.
Boa sorte amigo, que a vida te sorria, ou pelo menos dias de Sol no Inverno que atravessas.
15.11.2010
Torre de Dona Chama
João Bosco da Silva
"é sempre cedo para perder um pedaço de nós."
ResponderEliminarde facebook, em facebook, e vim aqui ter. as julgar pelas fotos que lá tens, podias ncluir algumas nos teus posts daqui... as tuas expressões são como os teus textos: fantásticas.
Obrigado pelas palavras Márize.Beijo
ResponderEliminar