segunda-feira, 15 de novembro de 2010



Pequeno-Almoço Tardio


Quer comprar esta revista, ou pelo menos dê-me algum, estou esfomeado

E eu pergunto-me, onde terás deixado a vida, amigo.

Deixaste cair a alma pelos rasgões na tua casaca de poliéster,

Envenenaste o espírito com pequenas agulhas, chupaste-te até te perderes,

Perdeste a vontade de fazer a barba pelo menos de três em três dias,

Deixaste de poder tomar banho, a família não quer ouvir falar de ti,

As portas fecharam-se todas, é isso amigo?

Sei que a tua fome é outra mas levo a mão ao bolso, porque ainda é cedo,

Cedo para ti, é sempre cedo para perder um pedaço de nós, grande ou pequeno

E dói sempre se não há o que nos anestesie o processo.

Também passei meses bêbado, também tive fome porque a ressaca,

Sabes bem o que é a ressaca, estás incapaz de comer neste momento.

Sabes que também tentei esquecer, tanto que os outros é que acabaram por me esquecer

E agora ainda tenho uns trocos para ti, amigo.

Leva a tua revista, descansa a dor numa imagem que te agrade, encontra respostas

Em palavras insuspeitas, um sentido numa frase aparentemente inócua,

Enche o forro do casaco se vier frio, que o papel ajuda.

Não te mintas, porque estás perdido se também deixares de acreditar em ti.

O mundo encostou-te a um canto, estás só, mas levo-te comigo, sujo, loiro e sujo,

Olhar perdido de quem só procura a redenção do aniquilamento,

Andar andrajoso, cansado da vida e do mundo que ela carrega. Não é amigo?

Também te prometeram que ia ser fácil, que é uma brincadeira,

Que terás sempre uma mão, um bom dia pela manhã, um beijo pela noite

E uns braços que te aconchegam nas noites frias? O mundo é uma grande mentira

E só a fome que dizes sentir é verdade neste momento, eu sei amigo.

O pior não é ser abandonado, o pior mesmo é abandonar,

Abrir as mãos, ficar livre e vazio e com o peso todo e escuro,

Sem olhos para além de uns meros passos, porque o momento também já passou.

Toma lá estes trocos e dá-me um momento de paz, fazer a diferença,

Seja ela qual for, porque me tenho sentido tão inútil, tão pequeno, tão só e incapaz.

Tenho-me sentido tão sujo por dentro, passo horas no banho,

Deixo que a barba me esconda, não visito a família, eles sentem a minha falta

Mesmo quando estou, sou o fantasma da vida que me morreu.

Quantas vezes se pode morrer, amigo, antes da última vez?

Uma não é? Depois é uma vida de morto-vivo, de cemitério andante,

Navio fantasma condenado à eternidade do que o corpo nos deixar.

Boa sorte amigo, que a vida te sorria, ou pelo menos dias de Sol no Inverno que atravessas.



15.11.2010


Torre de Dona Chama


João Bosco da Silva

2 comentários:

  1. "é sempre cedo para perder um pedaço de nós."

    de facebook, em facebook, e vim aqui ter. as julgar pelas fotos que lá tens, podias ncluir algumas nos teus posts daqui... as tuas expressões são como os teus textos: fantásticas.

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