A Arte De Beber O Vazio Da Madrugada
Bebo, por desejar nada e sentir um vazio que se enche com a obnibulação dos pobres
De espírito, bebo por desejar demasiado e ter as mãos apenas para uma garrafa,
Se o mundo coubesse num copo, engolia-o de uma vez com a mesma vontade com que corro
Pela noite fora em direcção ao esquecimento, mas de manhã nada, por isso durmo
Sobre a ressaca, ignoro os jornais, as mesmas misérias à entrada da porta, as contas
Que só por estar agora a escrever de madrugada, com o frigorífico quase vazio,
O candeeiro ligado, o aquecimento a fazer esquecer a lareira e a neve que começa,
Os dedos que gastam palavras, crescem, as contas e troco oito horas dos meus dias
Para continuar sem sonhos, dormir doze horas por dia quando possível, ou por semana,
Sem saudades do Sol, sem saudades da amiga das bebedeiras, que me engole no jardim
Da cidade, em troca de um “tu”, por muitas vezes duvidarmos da nossa própria existência,
Um “tu” para ser “eu”, em silêncio, como se a ejaculação fosse o mundo que não se pode
Engolir, o futuro que chegou e nós ainda à espera, por que não se esperava nada disto,
O estrangeiro mais uma casa, outra gente feita da mesma merda, com os mesmos medos,
Executados em canaviais, esquecidos pela distância, violados pelos amigos, odiados pelos
Vizinhos, pelos irmãos, com um deus morto, uma colecção deles em pedra, a porcelana
Chinesa para as ocasiões especiais, que nunca foi nem será usada e que irá para o lixo
Por se ter esquecido nas gerações futuras que aquilo uma relíquia, o mesmo cansaço
Anos e anos após levar com o mesmo hálito, os filhos que se tornam desconhecidos
À medida que nos conhecem e afinal, todos gente, eles também nos bancos traseiros,
Nós também a cheirar pinho pela eternidade fora, que é madeira barata e os mortos
Já não ligam puto a cheiros, não podem ligar ou apodrecer seria um inferno.
E bebo, apesar de não haver há semanas uma gota de álcool no silêncio da madrugada,
Bebo as gotas da amargura, das mãos demasiado cansadas por tão pouco,
Tanto pó engolido no caminho incerto para pouco mais que umas horas de sono,
Que se adiam, se gastam numas palavras desnecessárias, inúteis, quando bastava um grito,
Um murro na mesa, uma garrafa contra a parede, o orgasmo anónimo na filha querida de
Alguém, a minha filha uma santa, santa da equipa de hóquei, gaba-se ela entre mais um gole,
Que se lixe, mais uma para a consagração deste vazio que serei, este nada que me sinto
E que não sou todavia, sinto e isso pode ter sido a razão do início do universo, por isso bebo,
Porque tanto é um deus quem cria um universo como aquele que o destrói
E amanhã será outro dia, nada será o mesmo, nada será melhor, tem-no mostrado os dias que passam.
07.12.2011
Turku
João Bosco da Silva
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