terça-feira, 28 de fevereiro de 2012



À Hora Da Sesta

Uma águia insiste em existir, apesar da porta fechada, das cortinas corridas
E do sono que a canícula injecta no olhar cansado de tanta novidade
Da mesma coisa, a embaixada francesa logo ali, a bela casa do ex-presidente
Com os luxos óbvios protegidos por arame farpado e guardas que derretem,
Mais abaixo o bairro de lata para quem a tem ou a encontrou, uma dúzia
De tábuas mal pregadas a tentar ser ao menos sombra, já que casa é difícil,
Um casaco de Inverno quando mais de trinta graus, só porque não se tem
Outra roupa e a polícia não gosta de gente nua pelas ruas, só os cães
Parecem falar a mesma língua, desinteressados da palidez dos dólares
E a águia continua a entrar pela janela, quer denunciar a farsa, quer dizer
Que tudo é mais do mesmo, o mesmo pior, o pior mais abundante,
Os mesmos Mercedes blindados com medo das bicicletas esfomeadas,
Ressuscitadas de um cemitério de bicicletas depois de mil mortes,
Afinal táxis e famílias dependentes de pernas incansáveis, tão finas,
Enquanto os ministros morrem por problemas cardiovasculares, gordos e só
Os cães parecem respirar o mesmo ar, guardam crianças de quatro ou cinco anos
Que guardam quatro ou cinco bezerras, vestidas apenas com uma camisola
Enorme, feita de pó, calor e dizem que algodão também, outra da mesma
Idade chora sem vontade porque quer saltar para a sobremesa, as moscas
Enchem a barriga de olhos e ranho na cara indiferente de um bebé, um francês
Paga um refrigerante e como extra, leite, depois de se silenciar o gerador,
De terem corrido os fechos das tendas e as hienas despertarem para acompanharem
Os gemidos das suecas que parecem nunca terem estado tão completas na sua vida
Demasiado fácil de suicídios imaginários, dramas artificiais e romances em poentes
Quentes à troca de umas notas sujas de suor, pó, sangue, esperma, mais do mesmo
Em todo o lado, diz a águia e fica a olhar como quem pede um rato, além do quarto
Pequeno numa cidade que ferve, um refúgio no inferno que a maioria chama vida
E só poucos a gozam, gozando também do inferno que fazem da vida dos outros.

25.02.2012

Nairobi

João Bosco da Silva

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