A Confusa Lucidez Ao Acordar
Só tenho um dia de cada vez, não sei como esperam de mim eternidades,
Amanhã cá estarei se estiver, ou outro com quase a mesma cara, se calhar
Mais umas dores, menos para viver, a perturbação dos sonhos estranhos,
Em casa da avó, antes das renovações, partilhando com um escritor velho
Uma jovem de dezoito, que conheci acordado numa noite de Verão
E quase me oferecia a virgindade, mas só tinha aquela noite naquela noite
E tudo o que não agarrei, lá ficou, o medo a clamídia, na barba
Do velho, depois de tanta prostituta e mulher abusada pela vida,
Ele que as tentou consertar com o seu caos de porta sempre aberta,
Naquele mesmo quarto onde desenhei orgias, com golden showers,
Antes de saber o que golden ou showers, aos cinco anos, que me levará
Ao inferno, disse-me a minha mãe, por isso, que esperam de quem só tem
Um dia de cada vez e o inferno certo antes da primeira comunhão (?),
O quarto cheio de santos e cheiro a gente, o penico debaixo da cama,
O sonho sem cheiros, só o sabor metálico da carne fresca, a confusão
De estar sem saber como, nem por quê e a sensação de ser um sonho,
Por isso, mergulha-se na perdição que os dias não permitem,
O velho morto, muitos dos dias as primeiras palavras do dia,
As últimas palavras da noite, ajudou-me a perceber que tudo o que temos
É para se perder, ou não seria verdadeiramente nosso,
Por isso se perdemos, é porque um dia tivemos, ou a ilusão,
Mas tudo uma cambada de loucos sem diagnósticos, de viciados
Em drogas não rotuladas como tal, deuses donos de todos os dias
E eu que só me sinto dono dos dias que perdi para sempre, que foram todos
Os que passaram por mim, não passo da tentativa de os trazer comigo,
E nada mais me interessa de verdade, o meu mundo é suficientemente
Frágil para me ocupar todos os segundos, um malabarismo de cristal,
Tu sabes, se não sabes, não te vou exigir nada, por isso, não queiras
Que eu compreenda o mundo, chega que me deixe passar nele
Um dia da cada vez, os sonhos são meus, as recordações vou pedindo
Emprestadas à eternidade que tudo me engole e agora vou ler o que o velho me diz.
29.03.2012
Turku
João Bosco da Silva
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