Espasmos Matinais Nas Circunvoluções Após Sesta
Desenham-te como um pintor cansado dos boulevards pinta uma
paisagem bucólica,
Imaginando nas cores a dureza do trabalho e o cansaço dos
dias, a inocência que
Se julga por trás daquela gente, fascina-os a tua clareza
perante a opacidade da vida,
És apenas uma fera
num circo de cidade, uma besta amansada pelas correntes
Do esperado, alimentam-te com ilusões como se alimentam bois
com palácios,
E consomem-te os sonhos na esperança de uma cura para o
envelhecimento
Do convencional, cultivam poetam como se treinassem
papagaios e usam o teu
Passado como um dicionário de memórias, interpretam-se
enquanto dormes
E esperam que a carne te seja limpa, mesmo sabendo que
gostas de chafurdar no
Desespero e na solidão das noites alheias, prometem-te um
pedaço de betão
Em troca do teu olhar e julgam que possuis uma sabedoria
latente, como a dos
Animais, mas sem possibilidade de expressão, ladras à noite
porque te sentes menos
Só nas horas dos cães vadios, não te deixes amansar, não lhe
cedas a violência,
Vive como quem mergulha ignorando a profundidade, não te
deixes pintar
Como um elefante, sê africano, evita as procissões e
procura-te menos onde não estás,
Eles apenas te chuparão até ficares seco, vazio, um
hipócrita deslumbrado pelo
Espelho do tempo em que ainda eras bruto, um animal com
palavras toscas
E puras, não te deixes encontrar, ou acabarás com uma
geometria a olho nu, num
Dedo qualquer, quando a tua perfeição e dureza se encontram
na tua estrutura molecular,
No sumo primeiro, antes de azedar, és o musgo verde e húmido
numa fraga de granito,
Não te deixes apanhar para seres pisado por figurinhas de
presépio lascadas,
Bebe vinho e grita-lhes as verdades que eles querem esconder
nas evidências.
Turku
18-05-2014
João Bosco da Silva
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