Parafilias Bucólicas
Tem-se medo da inocência, de olhar e ver apenas o momento
bucólico,
Sem a adição do que se sabe, por trás, por sabe-se lá que
dinheiro,
Objectos ou favores ridículos, a abrir as pernas para os
velhos ricos de idade e vício,
Prefere-se o burro e as casas arruinadas pelo esquecimento,
a distância
Das árvores que secaram ou arderam, do que o ruído que
contamina o olhar
De criança, vê-la como antes, com indiferença sem maldade,
ver por ver, sem adição
De culpa ou cicatrizações forçadas de segredos abertos para
os lados do rio de baixo,
Onde tantas histórias correm e quase tantos tomates se
correram,
Desde épocas mitológicas, com o primeiro pó do ano e a água
ainda fria de Abril e Maio,
Toda a gente cresceu para se engolir em desejos incompletos,
ser para olhos indignos,
Revelar-se na escuridão ou nos favores das velas e nos
cantos de que toda a gente fala
E ninguém vê, custam-me tanto os pecados dos outros,
especialmente quando tento ser limpo,
Ou sincero aos olhos côncavos dos viciados na tradição
hipócrita, em incenso, pão rançoso,
Absolvição e histórias da carochinha para embalar, fazer
medo e impor respeito
De luto e lenços na cabeça, o cão à frente dela, o de quatro
patas, o de calções atrás,
Sem perceber o cheiro do que acabou de se despegar dela há
umas horas,
Não há nada a fazer, tende-se para o lixo, para a porcaria,
princesas rasgam os vestidos
A caminho dos sonhos impossíveis, deixam-se penetrar pelas
vontades sujas de poder,
Pelos desejos fáceis, por ilusão, fraqueza, também é só
corpo e não se gasta,
Só para se sentir, nem que seja nojo, dor, algo diferente, a
primeira vez todas as vezes,
Nem que seja um arco-íris com as cores da merda, algo novo,
o tédio é o nosso pior
Inimigo, passa-se a vida à procura de primeiras vezes, chega-se
perto do fim, ao limite,
Não há almas higiénicas depois dos dentes de leite, tudo se
perde com o final da tarde
E a primeira absolvição dos pecados, que nem se confessaram,
também a inocência se
Absolve como se fosse o tal pecado original, um banho de
alma dado por um hipócrita maior
Resolve todos os problemas de consciência, todas as dúvidas
de existência, para sempre,
Até à próxima, no fundo, espera-se que a carne se revele,
tão suja quanto possível,
Há algo de erótico na culpa, uma parafilia reciclável,
usa-se o sexo como cura para o vazio
Que também aumenta, procura-se calor no impessoal e
higiénico, sonhando-se com
Esperma, suor, saliva numa boca familiar, espera-se que o
Sol se ponha e o frio chame
Para a hora de jantar, a cura pelos copos e a companhia
inócua de garrafas vazias,
Esquecimento como verdadeira salvação da alma, como forma de
regresso aos olhos
Dos primeiros poemas, limpos de encontros mascarados e
decadência gratuita.
Turku
09.05.2014
João Bosco da Silva
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