terça-feira, 30 de dezembro de 2014
Que interessa o que o mundo,
Quando o teu mundo só teu?
Cumpriste como só tu podias cumprir,
O que esperavam de ti era só o que eles esperavam.
Só porque um caminho menos escolhido, errado?
Putos idiotas, todos, porque tu da idade do tempo.
Quantas gerações se tornaram aborrecidas,
Enquanto tu ainda a festejar, bêbedo mas a festejar.
Putos parvos quando crescem e se tornam sérios,
Sérios amargos cheios de ressentimento porque o tempo os obrigou
A ser adultos sérios e responsáveis.
Sérios são os mortos quando não morrem a sorrir.
Amanhã não quero morrer que é festa,
Haverá a festa, mas tu já não estarás,
Porque a tua festa, que foi a vida, acabou.
Puto, diz-me ele, vós é que estais todos mortos.
13.02.2010
Savonlinna
João Bosco da Silva
sexta-feira, 26 de dezembro de 2014
É O Que Se Arranja
Quando há demasiado vazio, aquele que nos empurra para a
inconsciência
Do sono, os vidros das janelas demasiado silenciosos, nem
embalam
O ritmo dos versos que dentro a fazer de ovelhinhas a adiar
a queda,
É o que acontece, quando a chávena quase vazia e a garrafa a
ser só ecos
Dentro, enquanto se espera uma resposta ou um olhar a
reconhecer
Que estamos vivos, durante um lenço de papel e um
esquecimento
De bolso ou a necessidade maior, na espera de uma partida,
como
Se a própria espera não fosse já ter partido, quando os
passos
São tudo o que nos acompanham e o ranger é a certeza que
ainda somos
Um peso qualquer neste planeta de voltas e mais voltas,
sincronizadas
Pelo relógio adaptado às necessidades da solidão universal,
Daí isto não precisar de ritmo, os segundos esticam e
encolhem
De acordo com a velocidade dos dedos ou da ausência de gente
À volta deles, isto é o que acontece quando matam aquele que
nunca morre
E nem se quer ver, porque no fundo é só para que hajam mais
olhos
Na direcção do vazio, quando o vazio tudo o que empurra isto
Para onde a luz que tudo revela, isto, que é apenas o que
há, quando
Nada mais parece haver, a não ser segundos que passam por
nós,
E só o eco das células que morreram a deixar o vazio que
inquieta
A nossa sensibilidade de inútil testemunha do desperdício
próprio,
O que esperas, a estas horas é tudo o que se pode arranjar,
um poema.
26.12.2014
Turku
João Bosco da Silva
Reminiscências Natalícias Em Toalha Azul
Que tal vai por aí o tempo, ainda há tempestades vindas de
África,
E morrões de areia e esperma na praia dos encontros súbitos
das noites anteriores,
E esse Natal, como se passou sem a toalha azul a limpar a
barriguinha que ao contrário
Do esperado pela entropia e a natural fome humana, encolheu,
não pela contínua
Digestão de futuros esquecidos em pequenas mortes, o meu
digo-te,
Já foi pior, com duas formas de cozinhar bacalhau em forma
de solidão vingada
No degelo ao pé do aeródromo quase escondido do Google map,
A vida tornou-se em algo muito estranho para quem não fez
mais nada
Dela a não ser vivê-la, as certezas agora muito menos que há
uns dez,
Cinco anos atrás, a areia parece que acelera e deixei quase
tudo o que faz mal,
Agora quase que sou um exemplo, num canto, onde ninguém quer
pecar,
Que boa pessoa se é quando a felicidade não se nota na noite
curta da existência
Dos outros, passar silenciosamente, uma raposa sem rabo a
enlouquecer
Entre uma rede e outra, devias lembrar-te de mim, ao menos
no Natal,
Afinal de contas estavas armada em Pai Natal e
perguntavas-me o que queria,
Eu como sempre, isso ainda não perdi, estava bem com o que
de ti me envolvia,
Nunca me queixei muito, em vez disso poesia, que incomoda só
aqueles
Que em vez de fazerem poesia da vida querem fazer vida da
poesia,
Deviam acreditar em quem raramente faz a barba e passa fome
por
Ou sem obrigação, apesar de a neve ter substituído a areia e
a possibilidade
Do contágio ter sido substituído pelo contágio confirmado dos
outros,
Isto continua a ser um poema sobre o Natal, os universos
sobem e descem neste
Mesmo, e deve haver um onde o tempo, tempo, tempo, o mesmo,
Com vinte e cinco graus ressacados na manhã de Natal, com os
tomates
Vazios, ou menos cheios, em direcção ao futuro, a este poema
longínquo.
Turku
25.12.2014
João Bosco da Silva
sábado, 20 de dezembro de 2014
Encher Chouriças
Enquanto o sangue pinga para o chão da garagem, já tenho as
tripas lavadas
Com a água fumegante do rio numa manhã de geada, é o que
isto é,
Um poema nos olhos dos outros, as palavras não perderam a
cor com os anos,
Continuam as mesmas a gozar com as têmporas nevadas pelos
desgostos,
Ou nem por isso, só a vida, os dias somados a fazer anos e
aqui se está,
A engolir segundos atrás de segundos sem gelo, porque chega
o frio que está
Fora a reflectir a distância glaciar do que dentro se
esgota, ambos sabemos
Que não há salvação, por isso continuamos, olhamos o rio num
dia de Verão
E somos nós, tentamos ignorar os sacos no fundo que foram
arrastados
Desde a ponte e agora só ossos de cães e gatos mal nascidos,
nós aquilo tudo,
Aqueles cadáveres inocentes e indesejados, frascos de
herbicida, pneus,
Uma pá enferrujada, peixes asfixiados pelas oscilações dos
vizinhos,
Gota a gota, o caudal engrossa à necessidade de pontes, de
abraços,
Ou apenas a vontade deles, porque a distância, sempre a
distância
E somos todos uma cambada de hipócritas, porque quando
perto,
Todos cheios de espécies e cerimónias, bichos brutos com
talheres de prata,
Às vezes é preciso parar na ponte romana para respirar um Kentucky,
Ou esperar pela noite para revelar a amizade sincera, é o
que nos salva
Do ruído, tanto ruído, cada vez mais ruído, nem se consegue
fazer barulho
Nos ouvidos dos outros, dos que merecem ouvir, dos que
precisam ouvir,
Mas não conseguem, tal é a saturação da diarreia bem
sustentada
Por nomeações de direitos entre eles, a estas horas devem
estar
A banhar a carne em vinho, tu conheces bem o meu hálito,
apesar
De lavar os dentes com a cinza dos anos e ela ser sempre
fiel ao irrepetível,
Ambos gostamos à nossa maneira dos grilos no Verão e dos urinóis
Em horas de aperto, apesar de o cheiro a ureia me fazer
lembrar
Grades de snappy e de tupperwares quentes envolvidos por
panos
Da cozinha, em postos da guarda-fiscal em mil novecentos e
noventa,
E da boleia do padeiro a quem dava um Fernando Pessoa por
pão
Quando a mãe me dizia que já era um menino grande,
E as geadas sempre foram tão grandes nas mãos pequeninas,
Mesmo com luvas que esticam, e sangue que pinga, uma última
gota,
Confunde-se com a cor do vinho, seja como for, agora é
cortar,
Curar, seja à força do sal, da distância ou do fumo da
memória,
Nós sabemos o segredo, só ainda não o conseguimos trazer à
consciência,
Traduzi-lo em palavras, mas estamos mais perto, hajam
pulmões
Para deixar anéis de sangue nos lábios dos brutos, as tripas
das chouriças
Estiveram em vida, cheias de merda, existe algo de delicioso
nisto tudo,
Tudo é, morte e vida, engolir e deixar passar, até cair,
como tudo em nós.
19.12.2014
Turku
João Bosco da Silva
sexta-feira, 19 de dezembro de 2014
Entrelaçamento Quântico Das Saudades
Enquanto aperto a cafeteira alguém diz, não queres fazer um
café, longe,
Depois do jantar, com o crepitar do lume, as brasas a
saltarem para o sofá
E as pantufas, quando a lareira ainda era aberta, ainda o é,
mas não aqui,
Neste caminho, a minha mãe aperta a cafeteira e eu tenho
saudades
Quando o cheiro do café começa a despertar-me o hipocampo do
processador
Quântico de tempo, a memória tudo, o que se consegue evocar
no momento
O que somos, ou seremos um reflexo distante e distorcido,
inverso ou paralelo,
De uma mão a segurar uma chávena, e a levá-la aos lábios,
despertando
Nos lábios distantes uma saudade de calor específico,
Defina-se inspiração, vontade, epifania com uma colher cheia
de incerteza
Numa chávena de café, sem pires para ajudar na viagem
independente
De todas a leis realistas, da saudade, não queres café, algo
move a vontade,
Nas faces do dodecaedro, a mesma, de forma diferente, a
infinita mesma,
Também a saudade não é prevista pela mecânica que faz subir
o café.
19.12.2014
Turku
João Bosco da Silva
segunda-feira, 15 de dezembro de 2014
Férias De Natal Revisitadas
À espera estava a geada nas couves e nos ramos descarnados
do marmeleiro,
O cão escondido do nevoeiro dentro de um bidão, hoje o bidão
vazio,
Sem companhia no dia da festa à hora dos foguetes da tarde,
À espera a lareira, com a dança hipnótica das chamas, na
sala
A um canto o chão coberto de musgo e palha e figuras de
barro
Pintadas à pressa com o rigor devoto a um deus dependente do
tempo,
Ao lado os embrulhos do costume, cada vez mais
transparentes,
No quarto transferia-se a roupa do saco para o guarda-fatos,
Agora, abre-se a mala, tiram-se os livros para acompanhar
A lareira e deixa-se aberta, chegar começou a confundir-se
com partir,
Agora nem se chega a tempo de ouvir a música, soldada
Algures numa fábrica escura da China, das luzinhas de Natal,
Que se guardavam sempre para o próximo e nunca aguentavam
A sua inutilidade no resto do ano, à espera estavam os
serões
De roupão, os dias inteiros de pijama, o leite com chocolate
Quando se toleravam infantilidades mamíferas, à espera
Estava o ainda ter o futuro pela frente, o ainda não é para
já,
Ainda se acreditava no nunca mais e no potencial de uma
caixa vazia,
Escreviam-se poemas iluminados pelo crepúsculo incendiado
Na mesa da cozinha em folhas A4 roubadas da velha impressora,
Antes da mãe fazer o jantar e ainda havia aquela sensação
De ser algo especial, aquilo, aquela folha que era nada
Tornada poema, aquela emoção que era muda, um grito,
O cheiro das rabanadas salpicadas com canela e Enya do rádio
Que foi a prenda da irmã uns natais atrás, os caixotes do
lixo
Temendo a avalanche que lhes cairá no dia de Natal,
O avô que não se julgava ser o último e afinal, os lábios
roxos
Do vinho nunca mais se mostrarão contentes por estarmos
Todos juntos, nunca mais estaremos todos juntos, tudo se
rasga
Como um embrulho, para se revelar o amanhã, e a surpresa
Perde-se para sempre e é impossível voltar a embrulhar o
amanhã
E torná-lo no lugar onde tudo é possível, o gato deixa de
estar vivo e morto,
E se está morto nunca poderá estar vivo, nunca mais, na vida
ao menos
Sempre se têm duas hipóteses, mesmo que não hajam certezas,
Antes de se entrar, a lareira estará sempre acesa, o gato
estará a fazer de cão,
E o jantar não tardará, por isso tenho que acabar esta geada
nas couves
E nos ramos do marmeleiro, lá longe, onde me mora o Natal.
14.12.2014
Turku
João Bosco da Silva
quinta-feira, 11 de dezembro de 2014
Coprologia Poética
Ando há semanas para escrever este poema, misturei tanta uva
que nem sei,
Até enfiei umas amoras à mistura, era para ser algo sobre
fazer pão de madrugada
Numa aldeia francesa, ou a rua deserta da noite povoada por
cães vadios
De uma vila portuguesa onde restam poucos burros sob um luar
de vinho tinto,
Era para ser destilado, entretanto decidiu-se deixar
fermentar, pensou-se
Em usar um copo de whisky japonês, não whiskey, atenção que
aqui não há brutos,
Hibiki, envolvido com uma manta Maasai enquanto a neve lá
fora quase a crepitar
E dentro a companhia dos poetas irlandeses, mas não,
ficou-se pelo material
Fermentável e pelo vento que varre a infelicidade das
memórias e torna o passado
Num paraíso sem retorno possível, decidi beber antes de
começar a esmagar tudo
Sob os meus pés sensíveis de croprologista, esmagando cada
segundo com
A violência que me empurra os olhos contra o cérebro, é a
vida, e é,
O estômago já aguenta tanto que passo semanas sem vomitar, e
há cada vez mais
Santos, mais deuses, mais poetas e ainda mais críticos
apaixonados pelas pinceladas
Do próprio cu no papel higiénico demasiado fino, pena não
cheirarem os dedos,
Entretanto, fermenta, este poema não é o resultado, é o
processo, não é poema sequer,
Claro que não, é uma merda, e têm toda a razão, mas é
necessária e inevitável,
A diferença é que eu cheiro os dedos e lavo as mãos, o tempo
dá outra forma ao açúcar,
Mas não sem ajuda, e é isto, não se vê, mas está lá,
fermenta, a merda num poema.
11.12.2014
Turku
João Bosco da Silva
quinta-feira, 4 de dezembro de 2014
Equilíbrio
Aqui estou, naquele momento , antes de encontrar o
equilíbrio na bicicleta,
A um segundo iluminado, do vento e do movimento, a rolar
finalmente,
À volta deste planeta, sem rodinhas, sem a mão no selim a
amparar,
Pelo caminho de terra, os castanheiros como testemunhas, sem
deus,
Aqui estou eu, depois, com a revista de banda-desenhada no banco
De trás da carrinha do meu pai, enquanto o Sol se põe, no
rio
Da aldeia, a cuspir água após ter finalmente encontrando
O equilíbrio na água, naquele momento entre o balanço
harmonioso,
Quase como se tivesse encontrado um sentido sem palavras,
Flutuando no corpo líquido, o meu corpo, a revelação,
Aqui estou eu, na missa de Domingo, segurando a cruz em
direção
Ao altar, entre aquele momento em que havia Deus e deixou de
haver,
Encontrando mais uma vez um equilíbrio, sem palavras,
Aqui estou eu, no limiar da aparição, da angústia e da
solidão
Eterna até à falência multiorgânica que lava o mundo da
nossa
Presença quase inócua, entre a inocência e a revelação,
Aqui estou eu, quase três décadas e ainda mal me equilibro
Nisto, na vida, neste mundo onde tudo é permitido e possível,
Entre o impossível e o possível, sentindo os segundos
marcados
Pelas estrelas, haja ou não luar, entre o olhar e o ver,
condenado,
Abençoado, com os dedos a testemunhar outras vidas
E a deixar testemunho de um momento, entre o estar e o
deixar.
04.12.2014
Turku
João Bosco da Silva
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