Bucólica Com Latas De Conserva
“Não te deixes invadir
por essa ternura delicodoce, fanada, a saudade à portuguesa; endurece ou
sucumbes.”
Sebastião Alba
Palmilhavam-se as ruas lamacentas, os amontoados de lixo
entre giestas
Ou em pinhais dos vizinhos à procura de latas de conserva vazias,
Roubavam-se pequenos pedaços de tábuas, umas rolhas de cortiça,
Ou cortiça bruta, quem tivesse coragem nos dedos tenros,
Uns pregos baratos, alguns transplantados das mesmas tábuas
E faziam-se carrinhas de caixa aberta, cada lata uma marca,
DQW as melhores latas de sardinhas em molho de tomate,
E depois disso procuravam-se os ossos de um guarda-chuva e
das varas
Faziam-se flechas para atirar aos cabos descarnados que
cortavam
O céu de um poste ao outro e lá tinham as mulheres que ir de
lenço na cabeça,
Porque o frio da serra é gelado, buscar velas porque os
garotos
Provocaram um curto circuito que apagou a aldeia,
Tocavam as trindades, e lá íamos comer arroz de tomate
À luz da vela, lá fora as carrinhas de latas de conserva
Estacionadas à espera do amanhã e do resto do futuro, quem
Tinha sorte tinha tractores de cortiça que o tio ou o pai
esculpiu,
Os ricos tinham-nos de plástico comprados na feira da vila,
O arroz, lá se comia, porque apesar de não se gostar de
tomate,
A luz da vela não era suficiente para se lhe sentir o sabor,
O pior eram os trabalhos de casa, que desencarrilhavam
Naquela curva perigosa entre amieiros a caminho da cidade.
26.01.2015
Turku
João Bosco da Silva
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