A Relatividade Dos Passos
Ponho-me uma vez mais a caminho, saio da festa, levo um copo
de plástico,
Foi um tio de França que mo deu, dentro vão uns litros, em
nenhum gole
Consegui encontrar o sabor daquela cerveja bebida às
escondidas
Em casa da avó, quando não estava ninguém em casa, em mil
novecentos e noventa
E um, mais uma vez, ponho-me a caminho, em direção à Lua, os
castanheiros
Gigantes prateados,
árvores mitológicas da infância e baldes de plástico
Na época das castanhas, o lameiro do avô já não está longe,
que estranho,
Como as distâncias encurtam e a gente se torna cada vez mais
distante,
Os grilos denuncia-me com o silêncio que a minha presença
irradia,
Há uma palavra para isto, a saudade não chega, há algo
parecido
Ao caminhar num lago gelado no norte, só, ao regressar a um
lar cansado,
Onde ninguém, mas agora é Agosto, estão cá todos, cada vez
menos,
Nota-se o peso da ausência nos olhos, é a tristeza que nos
envelhece,
O azul foi-se, as estrelas esperam no lameiro, algumas no poço
Onde caí de cabeça quando me inclinei para beber, põe assim
as mãos,
Em concha, ele que nunca viu uma concha na praia, põe assim
As mãos, não quero pensar nas mãos dele agora, as eternas,
nodosas,
Esculpidas de uma cepa centenária, a erva mesmo nestas
noites
Quentes é fresca, fecho os olhos e lembro-me de um deus
grego,
Anteu, lembro-me do Miguel Torga, eu também já devo ter
morrido,
Pelo menos uns quantos em mim, nunca nos encontraremos numas
Águas-furtadas em Paris, cada vez me lembras menos,
desculpa,
Hoje é só porque luar e as rãs coaxam no poço, mas pronto, a
vida
Este caminho onde vamos caindo e nunca é o mesmo quem se
levanta,
Só quem levamos dentro, as mãos em concha, o sabor da
cerveja às escondidas,
Chega-se, mas já não se está lá, há muito tempo, e o copo
também ele vazio.
23.02.2015
Turku
João Bosco da Silva
Sem comentários:
Enviar um comentário