Ronco IV
Que foi, nunca viste as redes pelas costuras, o teu avô no
cemitério, as tuas mãos
Vazias e as costas nuas penetradas pelo futuro que os passos
vão formando,
Que foi, esqueceste-te do sabor do sangue nos pulmões
arrancados à geada,
Já não te lembras dos amigos que sustentaram as tuas
punhetas com baralhos
De cartas da loja dos trezentos e os vídeos resgatados dos
píncaros dos guarda-fatos,
Que foi agora, os anos tornaram-te ingrato, hipócrita,
senil, a idade não te desculpa,
Faltou-te foder alguém famoso para teres seiva suficiente no
ego, murchaste precocemente,
Que foi, faltam-te os tomates agora, depois de teres fodido
a rececionista
Num quarto do seu próprio hotel aos vinte e um anos de idade
e latitude ártica,
Não há um poema que te valha, nem um copo que seja suficientemente
cheio,
Que foi, vais gritar agora o desespero todo, vais engolir
tudo o que a avalanche
Te guardou, deixa os sorrisos e as esperas desencontradas,
já te passou a hora,
Valete fratres, nem um valete de paus, tu, que nunca
aprendeste a jogar
Ao chincalhão nos intervalos, quando ainda tinhas espaço nas
mãos para ser alguém,
Que foi, agora, alguns têm-te medo, não sabem que sacrificas
a fome pelo ócio,
E que os versos são consequências da vida, da dor, da morte,
reflexos do prazer,
No tempo dos assassinos, que engoliam, cuspiam, passavam
lenços de papel,
Tomavam comprimidos comprados logo de manhã ao senhor da
farmácia,
Que foi, o elevador não te afastou da senhora arquiteta, que
planeava fazer
De ti um renascimento glorioso de uma ruína imperial
qualquer que ninguém lembra,
Foi o vinho do porto, naquela noite de São João, que foi
agora, tiveste a inveja de
Professores na cidade berço, tiveste a miúda do café na
ressaca, a olhar para ti
Como se esperasse não haver papel para secar as mãos na casa
de banho,
Que foi, já viveste demasiado em menos de três décadas,
nunca pensaste chegar
A desfrutar de um whisky de dez anos sem o consentimento dos
que valorizam
Tudo pelos números, se eles soubessem que na Skye céu de
tenra idade,
Que foi, não esperes que nos impérios arruinados se assuma a
ignorância,
Chega, vai mijar versos a outro lado, ou ejacula com a
janela do carro aberta
Numa geada leve, com o harmonioso aroma de fundo da pocilga,
enquanto
Os alunos esperam, a oportunidade de recusar, aprender ao
menos, mais uma merda.
18.02.2015
Turku
João Bosco da Silva
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