Além Da Cerveja
Porto E Outras Cidades
De Algibeira
Quando se escreve a olhar para uma parede branca, ou um
bando de abutres,
Têm que se fechar os olhos e regurgitar um pouco dos passos
que a chuva já lavou,
Têm que se ressuscitar a cor do batom e o sabor da pastilha elástica
daquele beijo
De dentes nos lábios, até o taxista tem que ressuscitar, ele
e o bigode mal humorado
A levar estudantada até cemitérios de periferia, têm que se
acender outras noites,
Com menos ainda do que uma parede branca, uma parede suja e
barulhenta
De um quarto alugado numa cidade com calçadas gastas pela
fome dos saltos
Das prostitutas, e dos ladrões viciados em agulhas e os
outros viciados no vício,
Não se pode esperar muito, ou nada dos dias que correm,
parece que só a água
Que correu é que marca, a que corre só molha, incomoda, como
andar à chuva,
Dizia o outro, lá do ombro, e nada vale 15 segundos de vida,
nada traz quinze segundos
De vida, mas fazem tantas vezes falta, para iluminarem a
parede branca,
Ou os olhos fechados num dia que se quer no fim já já, e que
arrependimento,
Tocar-se-ia por tantos outros bem piores, venham aqueles
dias perdidos
Entre a areia e o sol, a cerveja baptizada pela saliva
escocesa, venha o banco de jardim
À beira do rio de madrugada, e a mão de olhos azuis a acordar
e dizer, andei à tua procura,
As mãos em cima da mesa, sem se tocarem e uma fome imensa de
grãos de açúcar
Sobre a mesa, ou aquela cerveja horrível e quente com a
melhor companhia daquele mundo,
Tem que se trazer isso tudo, até as promessas que se ouviram
sabendo que seriam mais
Bolsos rotos de mão bem apertadas, igrejas estéreis no
centro de uma cidade
Ao lado de uma clínica de engana tomates e carteiras fartas
da absolvição de domingo,
E dos beijinhos na testa do cheiro da almofada ao lado,
dando décadas por
Quinze segundos no banco de trás do carro, com a cadeirinha
a incomodar as pestanas
Postiças de um travesti, tem que se trazer tudo, até a pasta
de papel higiénico
Nas tardes a cheirar a alcatrão com o abcesso a latejar na
visita à ETAR e nem um,
Estás bem, nem um, não dizes nada, nem merda nenhuma com
merda à farta por todo lado,
Só o medo à pila do estudante francês, quando fora, quando
dentro, ai que filme francês,
E depois o açúcar na mesa e o batom, só lábios e a pastilha
debaixo da mesa,
E o taxista a estas horas a levar mais um onde o
esquecimento se fossiliza
Nas revelações das paredes brancas em noites cheias de
abutres e dedos.
29.10.2015
Turku
João Bosco da Silva
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