Trás-Os-Montes
Trás-os-Montes sempre foi a colónia mais longínqua do
império,
Mas quando chegava a fome de carne para canhão, todos eram
filhos
Da pátria, mesmo que fossem com pouca carne por causa das
fomes
E dos invernos que a capital nunca viu em Portugal
continental,
Não havia sapatos para todos, mas balas para matar os
inimigos
Da nação nas suas próprias casas, à farta, depois houve uma
revolução,
Eu continuava a ter que acelerar no Inverno a bicicleta,
Se fosse demasiado devagar, parava no meio de um charco de
lama,
E enterrava-me lá todo, lá na aldeia, mas eramos só uns
garotos,
E ninguém se importava muito em acender mais umas velas
Quando um de nós atirava contra os cabos eléctricos
descarnados
Uma vara de sombreiro desde um arco improvisado
Com um pau de castanheiro e um baraço dos fardos,
Tractores, sim, tive um, o meu pai fez as rodas de cortiça,
Eu improvisei o resto e foi a inveja da povoação,
Os de plástico vi já andava farto de bater punhetas em
palheiros,
Trazidos das feiras da vila, parecia a capital na altura,
Sujos não andávamos porque a pele das mães se tinha
habituado
Às geadas, e que sorte não ter havido uma guerra no nosso
tempo,
Só ouvíamos as histórias deste que veio maluco da Índia,
Tinha sido a droga e eu a pensar que a Índia lá para além de
Bragança,
Depois da Espanha onde uma vez por ano íamos comprar
chocolates
E meias, até o meu avô era conhecido na Espanha, traficante,
Na altura dizia-se contrabandista, de meias, um criminoso
perigoso,
Um inimigo do Império, claro, não foi a nenhuma guerra,
Uma vez enfrentou um javali por fome com um machado,
Fartou-se durante uma semana, mancou o resto da vida,
Mas nada disto interessa, amanhã é dia da liberdade
E eu aqui longe de todos os que me queriam fazer pedir,
Longe de todos que me diziam não me querer ouvir,
Porque senhor doutor lá de uma fortuna na Suíça,
Longe de todos os que filhos deste e daquele, que julgaram
Que podia roubar-lhes o poleiro, longe do acordar
Para poder ir dormir, para voltar a acordar e no fim
Pouco mais sobrar que para o bilhete de autocarro
Para ir ver a família em Agosto que veio lá de longe,
Do estrangeiro, coitados, quando eu podia ir ao café todos
os dias.
24-04-2016
Turku
João Bosco da Silva
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