Para Os Vossos Filhos Bastardos
Arranco os óculos antes da madrugada, fica tudo como está,
Sinto a chuva de Tóquio a tocar na pele da minha infância
E eu nunca usei chapéu amarelo nem fui levado de carrinho
Para a escola, levei na bentas, sangrei dos joelhos,
rasgaram-me
As calças favoritas em segunda mão, tive medo de morrer
Afogado em merda numa fossa, não fosse uma velhota
Debaixo do que hoje me parece uma oliveira e tinha engolido
A merda do medo todo e nem um verso hoje, longo ou o que
seja,
Hoje os filhos desses merdas têm o mesmo medo,
Eu não, eu nem me perdi em Tóquio, apesar de me ter perdido
Em muitas madrugadas, loiras, ruivas, da cor da madrugada,
Nem óculos tinha na altura, era por ser de longe,
Sempre fui de longe, por isso agora aqui e tão em casa,
Agora és o glaciar onde mijei na Noruega, o teu amigo é só
A carcaça morta de uma zebra numa tarde aborrecida na savana
queniana,
Eu o garoto a quem custou demasiado caro um sorriso,
Desejei-vos a morte tantas vezes, e que triste que o maus
durmam bem,
E no fim nem o comboio do destino poupa a vingança dos
pobres,
Só espero um dia que os vossos filhos bastardos tenham que
estudar
As merdas que escrevo por causa daquelas calças rotas
naquele
Dia de chuva depois da escola na segunda classe.
12.05.2016
Turku
João Bosco da Silva
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