Out Of Space
Não vale a pena este cansaço, estes dedos de fome e unhas de
carne passada,
Até a pele já se esqueceu do que é chamar a alma para o ralo
da vontade,
Não vale a pena esta memória de um dinossauro de plástico
num talho
Duma aldeia que se preferia esquecer como a pele esqueceu à
força da cicatriz,
Nem sequer que aquele livro vermelho de poemas nos lembre do
cheiro a carne crua
E nos joelhos um cheiro parecido misturado com água
oxigenada,
Nada disto vale a pena, expor as costelas à vontade dos
olhos que lhe cospem no arreganho,
Antes poder acordar numa manhã clara entre montes e bruxas
que enrolam pó e folhas,
Receber o Sol com outro livro vermelho em cima de um muro
descarnado
Como as mãos que o construíram, antes poder engolir um copo
como uma primeira vez,
Resta esperar que a última vez tenha um sabor tão revelador
como a perda da inocência,
Agora isto, queimar madrugadas e sono, como quem quer evitar
a chegada de mais um dia,
Isto de cuspir para o ar à espera que alguém apanhe antes da
queda com arte de cão
E lhe dê importância a este esgarro, agora encontram novos
planetas habitáveis
Porque a solidão já não deve caber neste, como não cabe nos
dias
Que passam enrolados numa avalanche de possibilidades que
ficam agarradas
Ao cansaço, ao medo, ao espelho e às reminiscências em muros
rurais e urbanos,
Engole-se, engole-se tanto que a vida torna-se numa garrafa
que se leva ao fim
Só por pena do desperdício, a língua saturada, o estômago a
saltar, engole-se até ao fim.
25.02.2017
Turku
João Bosco da Silva
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