Não tenta guardar qualquer momento, o poema, é como um olhar
no espelho,
Cada verso é escrito com a areia que os dedos deixaram
escapar,
Um poema bom é uma derrota bem conseguida, uma borboleta
espetada num alfinete,
Nunca se captará o voo do tempo, só na ponta dos dedos se
sente o que agora
Duro, para baixo, para baixo a tomar forma de uns seios, a
passagem nuns lábios
Que nem os olhos um sorriso uma vez mais, é tão inútil,
ressuscitar o que os mortos
Nos deixaram entre um esquecimento e outro e com isto
acendem-se madrugadas,
Sacodem-se garrafas vazias numa vida que se extingue e só se
dá pela ausência,
Os olhos deixam de ver quem nos aquece, procuram na
distância míope
A ilusão que possa salvar a condenação certa, o poema mal
toca na perdição,
Mal se acende e é todo falhas nos olhos dos especialistas de
relâmpagos,
Demasiado barulho esta humidade reprimida e a terra continua
a cobrir
Os olhos que nos mereciam, sempre os que se fecham a certeza
de serem merecedores,
Um poema que tenha a pretensão de salvar o mundo é um poema
inócuo,
Só aquele que cospe nos olhos da cegueira e mostra a luz
demolidora do tempo
Justifica o mau uso da ponta dos dedos, o cansaço dos olhos
na luz fraca,
A má-língua sem se importar com as más-línguas dos deuses
que engordam ossos para a morte.
Turku
02-06-2017
João Bosco da Silva
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