Ensaio Sobre Vinho Tinto
“Embora a maior dádiva que um poeta pode oferecer aos homens seja a revelação daquela presença secreta e sagrada, eles não compreenderão tudo o que o poema lhes tenta transmitir.”
William Carlos Williams
E agora quê, que o vinho tinto acabou e todos os teus amores
Te trocaram por um grito seco, que vale tanto quanto todas
As gotas de esperma que investiste em vazios,
Todas as promessas com que pagaste ilusões,
Cada um o potêncial máximo de um absolutamente nada,
Agora quê, que só, porque os copos vazios,
Que o Sol se põe ou vai andar a prometê-lo madrugada adentro
E sempre cumpre uma manhã desesperada de arrependimento,
E sujo de esquecimento e uma sede poeirenta,
Agora que só tu e uma mesa vazia, um cigarro que arde no cinzeiro
Arremedando o que fazes com os segundos,
Quando não tens a gaita dentro de alguém,
Sempre esse mesmo apêndice exigente de gente,
De sonhos perdidos, de isqueiros esquecidos que chamam,
Agora quê, levantas o cu, pedes mais um copo e adias,
Adias o óbvio e o inelutável, o vazio que acaba sempre por vencer,
Espalhas a cinza do cinzeiro como todos os amigos que não
Voltarão a beber vinho na matança do porco
E pelos quais ainda choras em sonhos,
Pelas conquistas francesas, pelas suas viúvas portuguesas
Em aldeias esquecidas, todos, todas, acendes mais um cigarro,
Tentas mais um poema, porque ainda estás vivo, se calhar.
09.07.2018
Turku
João Bosco da Silva
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