A Todos Os Que Poderiam Ter Sido
Enquanto nos queixamos desta hora que não passa e esperamos
Que logo seja amanhã, chegamos ao demasiado tarde para tudo,
Nunca as mãos parecem conseguir fazer nada com o que agarram,
Tudo lhes parece estorvar a vontade e no fim acabam sempre vazias,
Ou cheias de terra se a madeira ceder ao peso do que nos separará
Do que fomos e os esquecimentos que semeamos em vida,
Bater palmas e sete palmos de terra nos olhos, um nome e uma data,
A vida isto e todos os sofrimentos que se apagam num suspiro,
Todos os sonhos que se apagam numa linha, todo o tempo perdido,
Investido ou em ingratidão ou em ilusão, amarelecemos, inchamos,
Vamos caindo aos bocados, ainda ontem era sexta e caminhávamos
Em direcção a casa, onde a lareira já estava acesa, a galinha ainda quente,
Depenada, pronta para o jantar, o Natal a caminho, uma horita à escapada
Para construir um império, a mão esquerda no bolso a direita sempre fria,
Sábado se o musgo estiver seco uma volta pelo monte,
Domingo amparar os queixos das velhas com a patina,
Hoje vidas que se desfazem no teu maior esforço, embrulhadas em lençóis,
Afogados por uma sede verde, tropeçando nos inúmeros azares que a vida proporciona,
Se hoje fosse sexta diria, vive o mais devagar que possas,
Não te habitues à pressa, ao barulho, conserva o vazio como um tesouro,
Nada será mais tu que esse vazio puro e inocente, não te enchas,
Não te satures e não te agarres a nenhuma certeza.
08.11.2018
Turku
João Bosco da Silva
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