Cinzento
Cada vez se torna mais difícil agarrar o passado,
Desenrolar um novelo, agora tudo migalhas cada vez mais pequenas,
Que se apanham pressionando a ponta do momento
Sobre o tampo vazio da alma, e levar o momento
À ponta dos olhos fechados ou fixos na parede,
Fica-se uma eternidade a matutar na cor que falta,
Na data que foi e não se encontra, no nome que tudo era,
Fica-se como quem acabou de ler um livro e fica a olhar
Um rio a passar, esperando uma ou outra folha,
Se o passado existe é porque trazemos connosco
Todos os instantes que passaram, porque o lembramos
Como uma realidade, onde só cabe um tempo,
Temos a memória virada para o passado
E a imaginação virada para o futuro e entre ambas
Moramos, um nome, uma idade, um saco de recordações
E sonhos, medos e desejos, de carne e vazios,
A promessa de um silêncio e eternidade, criadores de deuses
E demónios, inventores de realidades e limites,
Palavras em pedras, pedras em palavras,
Cada vez se torna mais difícil ver passar o rio,
Seguir uma folha até ao limite da vista,
Olhar a parede vazia e ver, o tempo que nos foi possível.
29.12.2019
Turku
João Bosco da Silva
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