domingo, 29 de dezembro de 2019

Cinzento 

Cada vez se torna mais difícil agarrar o passado, 
Desenrolar um novelo, agora tudo migalhas cada vez mais pequenas, 
Que se apanham pressionando a ponta do momento 
Sobre o tampo vazio da alma, e levar o momento 
À ponta dos olhos fechados ou fixos na parede, 
Fica-se uma eternidade a matutar na cor que falta, 
Na data que foi e não se encontra, no nome que tudo era, 
Fica-se como quem acabou de ler um livro e fica a olhar 
Um rio a passar, esperando uma ou outra folha, 
Se o passado existe é porque trazemos connosco 
Todos os instantes que passaram, porque o lembramos 
Como uma realidade, onde só cabe um tempo, 
Temos a memória virada para o passado 
E a imaginação virada para o futuro e entre ambas 
Moramos, um nome, uma idade, um saco de recordações 
E sonhos, medos e desejos, de carne e vazios, 
A promessa de um silêncio e eternidade, criadores de deuses 
E demónios, inventores de realidades e limites, 
Palavras em pedras, pedras em palavras, 
Cada vez se torna mais difícil ver passar o rio, 
Seguir uma folha até ao limite da vista, 
Olhar a parede vazia e ver, o tempo que nos foi possível. 

29.12.2019 

Turku 

João Bosco da Silva 

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