Recebi um livro de Bashō que não me lembro de ter encomendado,
Não é sequer um livro de haikus, é um diário de viagem,
Não sei quem o enviou, provavelmente alguém que já me esqueceu
E no entanto, julga conhecer-me, li a versão em português,
Numa das últimas visitas a Portugal, terá sido alguém com lugares comuns,
Mas distantes, como as ilusões que partilhamos, as mentiras em que escolhemos acreditar
E as verdades que não quisemos ver, deve ter sido alguém que me teve
Como ninguém e mesmo assim me deixou secar na certeza de um aperto estrangulador,
De Bashō, prefiro a poesia, em cada haiku a eternidade na simplicidade,
Um beijo que se toma sempre fresco a cada nova leitura, um olhar que não se apaga,
Mesmo assim, fiquei feliz com o livro, como quando se encontra uma carta
Do dia de São Valentim, entre os cadernos de escola, uma carta ridícula e inocente,
Agora inócua, como todos os amores que se consumiram até à cinza,
Contudo seguro o livro com tristeza, nunca o irei ler, há viagens irrepetíveis e ainda bem.
São Paulo
12.03.2020
João Bosco da Silva
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