Estranhos Em Espelhos
Quando me olho ao espelho, vejo sempre alguém que perdi,
Um sorriso fossilizado nas circunvoluções mirradas pelas
estações,
Reconheço sempre um novo estranho à volta dos olhos,
Uma ruína que se aproxima em dia de tempestade,
Todos os sonhos objectos roubados a uma sombra emprestada,
Os anos querem impor-me novas responsabilidades,
Nunca consegui engolir os últimos espinhos, amei sem saber,
Não quando me sentava miserável à geada em bancos de jardim,
Adolescente como a minha biblioteca de lábios abertos,
Que estranho serei amanhã, que dono me tomará os sonhos de
hoje,
Que tenha ao menos vontade, que morda, hoje tem sido uma
resignação,
Todos os dias, hoje, sempre, hoje, pouco interessa o que
está além do espelho,
Quanto muito uma escova de dentes por abrir, uns comprimidos
para dormir,
Nenhuma promessa, parece ter sido tudo consumido pela
vontade dos dedos,
Do meu lado direito um hábito que se tornou vazio, uma
música que se ouviu
Demasiadas vezes, sempre o mesmo Sol, sempre a mesma luz,
nesta pele estranha,
Não sei se tenho mais medo de morrer, se de viver uma vida
que já não sou.
Turku
20.05.2020
João Bosco da Silva
"Não sei se tenho mais medo de morrer, se de viver uma vida que já não sou."
ResponderEliminarBelo final de belo poema.