Fúria e Vinho
Há algum tempo que não consigo sentir nada mais do que fúria
e vinho,
Sinto que fui lobotomizado, pela dor, pelos comprimidinhos
Para me fazerem berrar com uma doçura de lã no rebanho,
Engraçado que só depois de encontrar Egas Moniz
No meu cérebro raquítico, dei com o picador de gelo supraorbital
E a palavra lá surgiu, costumavam cair, agora tenho que procurá-las
Num sótão escuro e poeirento, de onde todos os brinquedos da
minha
Infância foram atirados para o lixo, vinho e raiva, este que
há oito
Mil anos é produzido naquela região, tão escuro quanto a
tinta
Que agora não uso para meter este lixo no teu cérebro,
Um picador de gelo, no entanto, tenho sonhado com o amigo
morto,
Dou-lhe uma palmada no joelho, como se a sua morte fosse a
maior partida,
Bem me apanhaste com essa, infelizmente, também não me lembro
Da última vez em que tenha sonhado sem saber que aquilo é
tudo
Uma almofada babada, um ressonar ridículo, à espera de uma
sede
Absurda, de uma manhã sem sabor, copos vazios para lavar
E uma escova eléctrica mais escura que o carvão, pouco me
interessa,
Como sinto a palma a bater num joelho que existe apenas no
meu cérebro
Lobotomizado, que não sente nada mais a não ser fúria e vinho
tinto,
Não sei, como não compreendo como o cheiro das folhas da
figueira
Que aos poucos, tão pequena, se desnuda no súbito outono
nórdico,
Me aquecem como uma lareira, sem as brasas furarem os sofás
De poliuretano, uma palavra difícil como a vergonha, por
isso raras
Me visitaram, por causa daqueles buraquinhos na minha alma,
Como no sofá, tanto complexo para agora abrir o saco do lixo,
A alma, o podre dos sonhos, o maior segredo de um homem, o
seu vazio.
05.10.2021
Turku
João Bosco da Silva
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