Haikus Trasmontanos
Bebe dum balde
o gato —
toca o sino.
Doce o cheiro
sob o medronho —
começou o inverno.
Alguém corta lenha
ao longe
a lareira apagada.
Toca o sino
e os peixes
desaparecem.
Na terra onde o cão
foi enterrado
crescem batatas.
Velho gato
atravessando à chuva
o campo lavrado.
À chuva
entre o rosmaninho
amarelos crisântemos.
Gato à chuva
lambendo
o banco de madeira.
Como os segundos
pelo nosso sangue
a água pela fraga.
Entro no carrascal
e a chuva
para.
Rachar lenha
como escrever um haiku
rachar lenha.
Do monte
ouço o sino tocar
enquanto cago.
Manhã de inverno
toca o sino
enquanto cago no monte.
A romã madura
ainda na árvore
abre-se à geada.
Ainda quentes
as penas da galinha
enterradas num buraco.
Na terra fria
abre-se um buraco
para as penas da galinha.
No ar húmido
o fumo das lareiras —
manhã de Natal.
Manhã de Natal
no ar o fumo
do papel de embrulho.
Com as netinhas atrás
vai o antigo coveiro
ver o cavalo.
Aos poucos
a nevoa branca
engoliu a montanha.
Abrindo-se em crepitações
cede finalmente
o carrasco ao machado.
Penetrada pelo machado
a madeira do carrasco
crepita.
Brilha ao sol
na terra lavrada
um pedaço de vidro.
Lendo Shiki
ao sol de dezembro —
dióspiros apodrecem.
Maduros na árvore
dióspiros
ao sol de dezembro.
Enquanto leio Shiki
dióspiros maduros
ao sol de dezembro.
Peixes laranja
no poço verde
sob o sol de inverno.
Atravessando o campo
vem sentar-se
debaixo do meu banco.
Na companhia do gato
e dos peixes
ao sol de dezembro.
Junto aos peixes
que comem no poço
bebe o gato velho.
Gota de orvalho
na couve —
o Sol inteiro.
Que diria ao ver
esta árvore vergada
o comedor de dióspiros?
Bem lavado o esperma
derramado sobre a rocha quente
à beira do rio.
Encurtam os dias
alarga o rio
que se apressa.
No inverno
trocam a sombra
pela chama breve.
Coberta de orvalho
a teia da aranha —
tempo de azeitona.
Desce o céu
e a terra
um mar branco.
Nada se move
neste ar frio
de mercúrio.
Fresca era a sombra
do castanheiro que crepita
agora na lareira.
À beira do poço
como a última romã
do ano.
Onde param as rãs
que tanto cantavam
na primavera?
Sobre a erva
teias orvalhadas —
redes a secar.
Em silêncio
a bela oliveira
amadurece as azeitonas.
Para ter um pouco de sol
dou de comer
aos peixes.
Por cima de mim
voa um pardal
que pousa no carrasco.
No monte da toupeira
a minha mãe
vê um boneco.
Alguém assa frango
cantam as rolas
é inverno.
Despede-se o sol
deste ano
interminável.
Torre de Dona Chama-Cidões, Dezembro 2021
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