“La Conga Blicoti”
Com o lenço de papel sujo de vinho, tento limpar o monitor
Para escrever um poema qualquer que ninguém irá ler,
No monitor, morrões de pó, que mais acrescentar
À sabedoria do acaso, engulo mais um gole de alentejano,
Tento perceber os versos dispersos, os dentes negros,
Seria uma bela concubina no período Heian,
Para quê tentar organizar a perfeição do caos,
Sopro no monitor, quase inspiro fundo um ar fresco,
Pronto, posso começar, mas antes mais um golinho,
Swing 41 e um bochecho quase erudito, sem cuspir,
Posso estar a tornar-me invisível, mas ainda cá ando,
Se calhar os anos levaram-me o que realmente atraia
A gente, ou então perceberam que o meu maior talento
É soprar morrões de pó do monitor, com os dentes manchados
De vinho, enquanto alguém me grita do quarto que
Se quero foder, que não me demore no sopro,
Deu-me vontade de comer mexilhões n´au Clairon des Chasseurs,
Encostados ao muro do cemitério de Montmartre,
Um colchão ao lado do caixote do lixo como testemunha,
O marido ia acampar com os amigos, então um beijo apenas,
Uma mão arrancada dos jeans à pressa, o mesmo cheiro
Daquele mês de agosto, na varanda daquela tasca em Trás-os-Montes,
Tanta gente viva ainda que a vida parecia eterna e valer
Realmente a pena, volto a passar o lenço de papel no monitor,
Parece que magicamente tenho sempre um no bolso,
Não tarda nas mangas também, agora apenas pulgas quase
invisíveis,
Também de pó, pontos apenas, não interessa, mais uma golada,
“Let´s do it”, anda tudo ao mesmo, já cantava o Cole Porter,
Mais uma vez, magicamente o lenço de papel surge e leva
O resto do poema do monitor, agora sim, posso começar.
Turku
28.03.2022
João Bosco da Silva
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