Borralho 7
Enquanto caminhava até ao centro da cidade e sentia o
inverno
E a morte aproximarem-se com cuidados de folhas caídas,
Magicava um verso, como há décadas olhando a luz verde
De um boneco num semáforo na Avenida dos Aliados,
A companhia mais fiel será sempre a página em branco,
Mesmo em madrugadas precocemente geladas,
Quando todos os amores e abusos consentidos,
Já nos esqueceram há uma amante e dois filhos atrás,
Conseguimos encontrar cada um, nos piores e melhores
Momentos, podemos alegoricamente confessar os piores pecados,
Revelar os desejos impossíveis à luz da quantidade de prata
Nas têmporas, a página em branco, do tamanho de todas
As madrugadas possíveis, capaz de aguentar o vazio
De todas a garrafas e das mãos que com elas se sentem
cheias,
Esta cidade que em qualquer estação me traz o fogo aos
olhos,
Mesmo com a decadência deste cemitério de inocências,
Este corpo aproximando-se da ignorância maior de
Quatro décadas, os autocarros partem e as janelas ficam
Ainda numa curiosidade fresca e ruiva, esta página
Em branco, estas pernas que caminham ao mesmo ritmo
Dos dedos, na madrugada, agarrados a um copo, tacteando
Letras, como quem aos poucos envenena a pureza com a
verdade,
Um verso, quem tem uma página em branco, nunca estará só,
Nem numa cidade onde os anos tornaram o corpo invisível.
25.10.2022
Turku
João Bosco da Silva
Sem comentários:
Enviar um comentário