Ecos do Que Não Regressa
Debaixo do carrasco ao lado da capela silenciosa,
Assisto à cadência lenta do dia demasiado quente
Para Outubro, em baixo na estrada, vai passando
Um ou outro carro, a estas horas ainda se trabalha,
Alguém corta metal, talvez na adega extinta da vila,
Dois cavalos pastam num mesmo lameiro,
Afastados um do outro, tudo verde, como a primavera
Ou um amor antigo que se revisita antes do expirar
Completo da juventude ou no lusco-fusco,
Lentamente o tom da luz que tudo cobre
Vai-se alterando, também há beleza no cansaço,
Aquela última mão de sol por trás dos montes,
Pintando tudo de nostalgia, há sempre algures
Um rádio bem alto para afugentar os vazios
Que tomaram bairro após bairro, como hordas
Mongóis ou enxames bíblicos, a praga lenta
Da desertificação, da qual também eu sou culpado,
Mas mesmo aqui, onde os pássaros
E os rumores das folhas cantam a simplicidade
De um dia quente em paz, sinto uma inexorável
Vontade de fuga e é a essa distância que me sinto pertencer,
As raízes em silêncio subterrâneo, cumprem
A sua fundamental função, longe do fruto.
02/10/2023
Torre de Dona Chama
João Bosco da Silva
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