Na Companhia do Vazio
Entre uma figueira já sem figos e uma oliveira com azeitona
ainda verde,
Sinto o cheiro do papel quente de um livro novo e logo, de
olhos fechados,
Deixo de estar aqui, neste ano, nesta ilusão de proximidade
E regresso ao quiosque da vila, com aquele cheiro a jornal
fresco,
Revistas de banda-desenhada, o mundo e os sonhos,
Hoje voltaria a comprar, com o dinheiro que o tio deu para
gelados,
Aquela revista do Batman, mas o quiosque agora um rectângulo
vazio,
Que olho, quando por ele passo numa noite vazia de outono,
Como se tratasse do jazigo onde a minha infância ficou
sepultada,
Como naquela em que esperando nada dela, surgem duas
professoras
Do antigo liceu, às quais dei boleia desde o tasco até à
residência e logo uma
Me pede para seguir até ao monte, logo que uma delas sai do
carro,
Iniciando-se uma sessão de fodas em outeiros desertos e
capelinhas esquecidas,
Trocando o alívio por uma cura breve para o tédio e o vazio,
Tenho agora apenas a companhia segura das traças, do
silêncio que os grilos permitem
E o espaço amplo entre a consciência e o vazio.
04/10/2023
Torre de Dona Chama
João Bosco da Silva
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