quinta-feira, 9 de novembro de 2023

 

Na Companhia do Vazio

 

Entre uma figueira já sem figos e uma oliveira com azeitona ainda verde,

Sinto o cheiro do papel quente de um livro novo e logo, de olhos fechados,

Deixo de estar aqui, neste ano, nesta ilusão de proximidade

E regresso ao quiosque da vila, com aquele cheiro a jornal fresco,

Revistas de banda-desenhada, o mundo e os sonhos,

Hoje voltaria a comprar, com o dinheiro que o tio deu para gelados,

Aquela revista do Batman, mas o quiosque agora um rectângulo vazio,

Que olho, quando por ele passo numa noite vazia de outono,

Como se tratasse do jazigo onde a minha infância ficou sepultada,

Como naquela em que esperando nada dela, surgem duas professoras

Do antigo liceu, às quais dei boleia desde o tasco até à residência e logo uma

Me pede para seguir até ao monte, logo que uma delas sai do carro,

Iniciando-se uma sessão de fodas em outeiros desertos e capelinhas esquecidas,

Trocando o alívio por uma cura breve para o tédio e o vazio,

Tenho agora apenas a companhia segura das traças, do silêncio que os grilos permitem

E o espaço amplo entre a consciência e o vazio.

 

04/10/2023

 

Torre de Dona Chama

 

João Bosco da Silva

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