domingo, 2 de setembro de 2018

Depois do Meio-Dia 

A hora da partida chega, quando o gato começa 
A aproximar-se de nós outra vez, finalmente, 
Cada reencontro tem já o sabor da despedida, 
Chupa-se a felicidade por uma palhinha fina, 
Numa canícula que parece não ter fim nem ar, 
Só os lugares permanecem, cobertos pela ruína da ausência, 
Cheios de ecos que ninguém ouve, lareiras frias 
E remendos de quem já não tem remédio, 
De tudo, só a dor fica, nada mais é eterno, 
Amizades medem-se com cafés ou garrafas vazias, 
Os cigarros fumados pesam como anos 
Num peito cansado de partidas e outras desfeitas, 
No fundo, quando a tarde cai, é um salve-se quem puder, 
Vendem-se as memórias mais inocentes 
Por um esquecimento breve entre joelhos, 
A verdade encontra-se apenas numas flores cortadas 
Sobre uma mesa raramente viva, 
A eternidade sente-se no luar e nos grilos, 
Acorda-se tarde, acorda-se sempre demasiado tarde, 
Por vezes depois de quatro ou cinco anos, 
Só o gosto amargo na boca justifica o arrependimento, 
As horas passam e sempre a possibilidade da última 
Na próxima, o gato roça o pêlo na perna nua, 
Está na hora de plantar um novo esquecimento. 

Torre de Dona Chama 

27.08.2018 

João Bosco da Silva 

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