Garotos
Aquele garoto de olhos azuis obcecado por omoplatas,
Escrevendo poemas à luz das velas na companhia das galinhas
E do cheiro a feno, trago-o no peito desde o primeiro verso
Escrito na humidade de um quarto pequeno numa aldeia
Que os anos foram esvaziando de sonhos e futuro,
Aqueles primeiros poemas que pareciam salvar o mundo,
Descobrir a morada de deus depois de morto,
Escritos em papel barato com uma caneta de pena,
O mundo à beira do fim, como tem estado desde então,
O amor uma dor que se descobre nas noites mais quentes,
Cheias de insónia e lençóis cobertos de esperma e vergonha,
Aqueles olhos verdes recortando o vestido azul em
eternidade,
As amiguinhas ridículas, preciosas, como o mar que leva o
Sol,
Aquelas mãos que se cansaram de conquistar o mundo no papel,
Porque nenhum verso vale a pele quente que ficou por tocar,
Nenhum poema vale a viagem que ficou por fazer,
Só continua poeta quem não consegue acordar completamente.
Turku
05.04.2020
João Bosco da Silva
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