Raspadinha
Esta será a raspadinha derradeira, a que irá pagar todas
aquelas raspadas no fim-de-semana,
Sentados num banco de jardim ao pé do quiosque, às vezes
eram às cinco de uma vez e claro,
Poupava-se no gelado, eu e a minha irmã com as unhas, raspávamos
e passávamos à mãe para
Conferir, às vezes ela, dá para mais uma, queres ir lá
buscar e eu ia, raspava e ficavam rasgadas
No caixote do lixo, agora que arrancaram o quiosque e que já
ninguém se senta naquele jardim
Da vila, agora que nos gelados procuro a ausência dos
gelados da infância, esta será a raspadinha
Que irá pagar todas as outras, é uma brincadeira isto, é
para passar o tempo, dizia a mãe,
Tentando convencer-nos que não era desilusão nos seus olhos,
cem escudos já não é mau,
Guarda-os para um gelado que é melhor, mas onde vou agora
buscar o prémio se do quiosque
Só resta o que se vê quando os olhos fechados, ou a voz do
senhor J quando cheiro as folhas
De um jornal, esta será a raspadinha derradeira e mesmo
assim, sei que a vida ficará menos,
Sempre menos, agora que da infância, o único original e
verdadeiro, só a distância resta.
Porto- Coimbra (Comboio)
02.07.2013
João Bosco da Silva
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