Amor Universal
Estou contigo nos teus passos pelo inferno cinzento de Paris
Enquanto chove nos ossos do rei morto na banheira vazia,
Estou com as ondas do Pacífico na sua praia perfumada por
mil charros
E sonhos de passeio em passeio, estou em San Pedro entre
bandeirinhas
Vermelhas onde Bukowski jaz encerrado na eternidade
E de onde nunca mais despertará para mais um longo dia
ressacado,
Resta-nos para sempre uma longa noite apagada,
Estou na ilusão dos que atravessam uma linha imaginária
Para o lado do sonho e acordam, estou em Espanha num caminho
de terra
Onde cai um poeta e nasce uma lenda, estou com o búfalo que
Hemingway
Abateu em África, naqueles anoiteceres lentos que se acendem
em gotas
Pouco promissoras, estou no centro do centro de um império
que desabou
E cujas embarcações apodreceram como os dentes que só têm
fome
E pouco cuidado com o que trincam, estou com as pombas que
cagam
Tanto no poeta como no marquês, estou com os saltos sem fuso
horário
Na Earls Court esperando o fim de amores eternos que partem
em aviões
Como em barcos e regressam ao cômodo esquecimento do lar,
Estou com Ginsberg cuja casa podia ser estar sentado num
tronco farto e familiar,
Estou com o velho mestre tropeçando em haikus como jardins
Sobreviventes em Edo, que apesar de enjaulados entre aço e
betão
Irradiam a paz que nunca se conquistará com a pregação da
violência de néon,
Estou em casa em Agosto ouvindo a verdade dos grilos de
Kurosawa,
Cuja recompensa dos heróis é uma vida heroica e uma morte
mesma,
Como para todos, estou com o Sol que os conheceu a todos,
Mas mais que tudo, estou com quem nunca leu ou escreveu
Mais que o nome próprio, desenhado com esforço de quem tem
mãos
Que rasgam a terra, sabendo que no fim o monte tomará
novamente conta de tudo
E cobrirá os montículos de pedra ridículos que fomos
amontoando para separarmos o inseparável.
Turku
06.06.2017
João Bosco da Silva