Urofilia
Há coisas que nos acalmam, que nos mantêm afastados da vontade de abismos,
Como uma cona dourada, algo que nos deixa um anel fresco de caracol quente,
Sem ter que se ir à lenha, com o maluco da terra a espreitar por um vidro de geada,
Uns olhos como a saudade do céu no outono com a boca cheia de ti,
Sem se fartar, o aconchego de uma parede vermelha quando os olhos fechados,
O sabor raro da vontade na ponta da língua, longe de lamber sêlos sem destinatário,
A alegria de mais um fio de ouro antes de vestir umas cuecas lavadas,
Uma estrela do mar de chocolate tímida onde cabe o mundo todo
Nos alpes transilvânicos e depois um útero cheio das douradas lágrimas
De alegria dos anjos do apocalipse, em tsunami orgásmico no colchão do hotel,
Há coisas bonitas como a memória de pinguinhas de mijo em cus
Quando ainda o tesão algo facilmente suportável como a curiosidade
Por hóstias consagradas que não sangravam quando trincadas,
Ainda o cheiro de quem não sabia bem quantas vezes devia passar o papel,
Atrás da escola primária, cabia sempre, depois três rezadelas profiláticas,
Para manter o diabo daquele lameiro longe das vacas,
Há coisas que até nos fazem esquecer dos esquecimentos a que nos obrigamos,
Por vergonha, por culpa, mas não tão minha grande culpa, mais a que nos foram
Tatuando no corpinho de leitões, quando uns queriam ser vitelinhas,
E crescer e levar com touros, acabando eles por se tornarem em touros,
Capazes de fertilizar, contudo tão estéreis, mamando pela vida fora
Até a cirrose provar que homens de verdade,
Podia ter sido tanta coisa, mas não podia fugir ao garoto que tinha tesões
Precoces quando mijava no mijo dos outros e sentia prazer
Em limpar os bocados de merda colados à louça com o jacto inocente,
Há coisas que acalmam, como quem nos deixa cair sobre
A barba de todas as derrotas, o excesso quente dos venenos do corpo.
16.11.2018
Turku
João Bosco da Silva
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