quinta-feira, 13 de agosto de 2020


SAGA – Haikus Islandeses

Em direção ao céu
os degraus
imitando um vulcão.

Contra o horizonte branco
dançam timidamente
as flores coloridas.

Envolvendo dentes-de-leão
uma renda –
longe a minha mãe.

Nesses mesmos seios
a saliva
de outro.

Sobre as ondas solidificadas
cresce o musgo –
dragões adormecidos.

“Não passarás”
disse o mar –
tornou-se ilha.

Agulhas caindo
numa lata de bolachas
vazia.

Alma lavada
com as entranhas
da terra.

Gotas caindo
na lagoa quente –
música de felicidade.

De barriga vazia
cheio de cansaço
e felicidade.

Mergulhando sob o azul
alguém toca piano
no meu esqueleto.

O musgo
cobre de suavidade
a violência arrefecida.

Ouço a guitarra
de Mike Oldfield –
chuva na Islândia.

Como estrelas cadentes
as gotas de chuva
percorrendo a janela.

Com os anos
tornei-me capaz
de ver apenas.

No azul quente
dos teus olhos
aqueço a alma.

No pêlo molhado
da égua
a marca da sela.

O poeta era leve
Saga
nem se cansou.

No pêlo do cavalo
Cai a chuva miúda –
verão islandês.

O que deus
deixou por acabar
o mais belo.

Nas arestas verdes
pastam
as ovelhas.

Caindo do infinito
mergulha a água
na terra.

Ainda não tiveram
tempo os riachos
de esculpir a terra.

Sobre verdes campos
os fardos
já esperam o Inverno.

Alguém regressa a casa
chove
amanhã amanhecerá.

É a chuva que cai
ou é apenas o mundo
a ser?

Pés molhados
copo de Brennivín
espera.

Depois de tantos anos
que pressa levam
as águas dos glaciares?

Contra os vidros
a chuva
acaricia-me o cansaço.

Ante que o verde branco
as ovelhas continuam
a pastar.

Não ouvir nada
além do vento –
que sorte a minha!

Em frente à cascata
três cavalos
contemplam a erva.

Do alto da montanha
vejo o mar
fecho os olhos vejo tudo.

Em cima da fraga
escutar atentamente
o silêncio.

Atirar calhaus
monte abaixo
e ver onde param.

Que fúrias divinas
terão esculpido
tais montanhas?

A pequena igreja
sobre a obra
de deuses antigos.

O templo maior é aquele
onde a chuva cai
livremente.

Depois de uma longa caminhada
os três cavalos
continuam no mesmo lugar.

Gotas de água
numa teia
esperam o Sol.

Abri o frasco
de tubarão fermentado
logo me arrependi.

Lá fora o vento
canta algo
que só compreendo dentro.

As luzes dos carros
passam
levando as vidas.

Inspirar fundo
o azul primitivo
da noite nórdica.

As nuvens afastam-se
e o verde
ilumina-se.

Milhares de anos
azul cortando
o verde.

Quase chegaram
a terra
os trolls de Reynisfjara.

Depois de tecer
a teia
a aranha espera.

A traça não compreende
a natureza
do vidro.

Vinho italiano
trutas islandesas
saudade portuguesa.

Até no paraíso o português
terá saudades
do seu buraco.

Nos montes o verde
escurece
na garrafa aclara.

Que pedem as vacas
que mugem
na escuridão?

À entrada da porta
o gato cinzento
despede-se dos viajantes.

O açúcar na chávena
arrefece –
chove no porto.

Más notícias
vêm de longe –
chove no porto.

Inalo o fumo
A chuva cai
Os carros passam.

Escrevo
porque os mortos
me visitam.

Islândia, Agosto de 2020

João Bosco da Silva

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