Lixeira
Aqui perduro, sentado neste monte de lixo,
Olhando as memórias e os tesouros que foram,
Hoje merda, hoje longe, só o cheiro...
Rei do universo que apodrece,
Nesta montanha fumegante, bêbedo, confuso de tanto que me pintou.
Perdi a cor, entre pedaços lascados, pinceladas aleatórias, obras delinquentes,
Temporais de arrancar a pele à alma.
Tenho a cor de uma lixeira a arder.
Montanhas da acumulação de anos,
Ondulando à minha frente, vales pequenos à minha frente,
Onde se esconde o que ainda virá.
Aqueles boxers que de tanto os usar se abriram nos elásticos,
Com os ursinhos que a minha avó achou adequados,
Que abriram pernas como se fossem cuecas de homem,
Naquela vareta de guarda-chuva, como uma bandeira de ejaculações gloriosas no vazio.
Aquele boneco que alguém me enterrou por maldade, como se fosse a minha infância,
Ali à vista, com a sua presença inalcançável,
Como todas as tardes de cabra em cima das fragas, sentindo a liberdade na brisa do sol,
O mundo todo à volta, ao alcance dos olhos verdes.
A bicicleta que me abriu a carne tantas vezes,
Hoje castanha, ao lado dos patins da minha rebeldia, hoje sem rodas,
Com os posters das actrizes a cobrir-lhe a miséria, esfarrapadas, abertas, como as de carne.
As revistas de banda-desenhada, mais preciosas que bíblias, com os heróis mais verdadeiros,
Mais presentes, mais vivos que todos os escritores, de cores em punho,
Prontas para me dar cor à vida, mãos que moldaram a massa quando ainda era moldável.
“Com grandes poderes vêm grandes resposabilidades.” e eu sem poderes para poder com isto tudo.
Hoje sou rei deste monte de merda preciosa,
Que se confunde, que perde o brilho que teve nestes olhos cansados.
Há anos que devia ter deixado de tentar.
Já sou imortal, só falta vir a morte e que olhos se abram para esta lixeira,
Esta merda que me habita, onde me sento sentado,
Com o olhar de horizonte limitado pelos fumos dos anos perdidos,
Com a vida a deixar de consumir e a consumir-me.
Perduro, duro, seja o que for que é preciso, frio, fórmula do homem,
Iludido... com os vapores do seu lixo que fermenta.
Sou o rei deste universo, o seu único habitante,
A única testemunha que lhe cria a existência,
Numa quase impossibilidade dando vida a esta massa viscosa que se arrasta pela realidade.
João Bosco da Silva
Savonlinna
22/10/2009
Aqui perduro, sentado neste monte de lixo,
Olhando as memórias e os tesouros que foram,
Hoje merda, hoje longe, só o cheiro...
Rei do universo que apodrece,
Nesta montanha fumegante, bêbedo, confuso de tanto que me pintou.
Perdi a cor, entre pedaços lascados, pinceladas aleatórias, obras delinquentes,
Temporais de arrancar a pele à alma.
Tenho a cor de uma lixeira a arder.
Montanhas da acumulação de anos,
Ondulando à minha frente, vales pequenos à minha frente,
Onde se esconde o que ainda virá.
Aqueles boxers que de tanto os usar se abriram nos elásticos,
Com os ursinhos que a minha avó achou adequados,
Que abriram pernas como se fossem cuecas de homem,
Naquela vareta de guarda-chuva, como uma bandeira de ejaculações gloriosas no vazio.
Aquele boneco que alguém me enterrou por maldade, como se fosse a minha infância,
Ali à vista, com a sua presença inalcançável,
Como todas as tardes de cabra em cima das fragas, sentindo a liberdade na brisa do sol,
O mundo todo à volta, ao alcance dos olhos verdes.
A bicicleta que me abriu a carne tantas vezes,
Hoje castanha, ao lado dos patins da minha rebeldia, hoje sem rodas,
Com os posters das actrizes a cobrir-lhe a miséria, esfarrapadas, abertas, como as de carne.
As revistas de banda-desenhada, mais preciosas que bíblias, com os heróis mais verdadeiros,
Mais presentes, mais vivos que todos os escritores, de cores em punho,
Prontas para me dar cor à vida, mãos que moldaram a massa quando ainda era moldável.
“Com grandes poderes vêm grandes resposabilidades.” e eu sem poderes para poder com isto tudo.
Hoje sou rei deste monte de merda preciosa,
Que se confunde, que perde o brilho que teve nestes olhos cansados.
Há anos que devia ter deixado de tentar.
Já sou imortal, só falta vir a morte e que olhos se abram para esta lixeira,
Esta merda que me habita, onde me sento sentado,
Com o olhar de horizonte limitado pelos fumos dos anos perdidos,
Com a vida a deixar de consumir e a consumir-me.
Perduro, duro, seja o que for que é preciso, frio, fórmula do homem,
Iludido... com os vapores do seu lixo que fermenta.
Sou o rei deste universo, o seu único habitante,
A única testemunha que lhe cria a existência,
Numa quase impossibilidade dando vida a esta massa viscosa que se arrasta pela realidade.
João Bosco da Silva
Savonlinna
22/10/2009
Sem comentários:
Enviar um comentário