Trás-os-Montes
A Miguel Torga e Sebastião Alba.
Das fragas quentes, cobertas de musgo como esfregão verde,
Dos horizontes turvos pela canícula do meio da tarde,
Onde as montanhas rasgam a monotonia e penetram na atmosfera,
Do monte rasteiro e tímido que resiste como os avôs,
Dos rios pequenos que se tornam no grande e se corrompem no fim,
Dos castelos esquecidos nos altos do presente,
Disto e de muitos com quem partilho o magma quente da vida...
A minha terra.
Dos toscos berlindes dos deuses, esquecidos desde o tempo da criação,
O meu olhar tem o tamanho do mundo,
Um mundo maior que as páginas impressas com o atlas mundial,
O meu olhar mais forte que Atlas,
O meu olhar mais rápido que qualquer pedaço de lixo ordenado para voar,
Viajando à velocidade da luz de aldeia a aldeia, montanha a montanha,
De Portugal onde me sento à Espanha, que o calor da distância cobre de cinzento quente.
Nenhum rei tem um trono como eu tenho!
Granito dos gigantes, esculpido pelos milénios de erosão,
Antes de qualquer deus ou ideia de o inventar.
Tenho pena dos que não existem no meu mundo,
Ignorantes da grandeza disto tudo, tão grandes se julgam na sua jaula de betão,
Apertados contra uma existência de horários e monóxido de carbono,
Com tanta pressa de chegar que se esquecem que é o caminho que vale a pena.
Serei torgueiro, mas livre e dono do meu caminho,
Desprezando qualquer fim e acumulação de inutilidades no nada.
Incapaz de produzir o prodígio de um carvalho inesperado
Que nasce de uma ínfima fenda na rocha granítica,
A abre como a mais difícil das mulheres,
E dela se torna existência,
Escrevo, tentando acompanhar, lado a lado,
Os passos que o vento não apaga, do conterrâneo que o espaço apagou,
Mas o tempo não apagará, enquanto houver gente,
Fragas inconscientes, giestas inocentes, torgas resistentes,
Palavras persistentes na dureza desta terra maravilhosa.
09.11.2009
Savonlinna
João Bosco da Silva
Mais um grande texto.
ResponderEliminarGostei imenso.
Está muito lindo. Mostra aquilo que eu perco por não sr amante do campo.
Obrigado por me lembrares.