domingo, 24 de janeiro de 2010


Trás-os-Montes


A Miguel Torga e Sebastião Alba.



Das fragas quentes, cobertas de musgo como esfregão verde,
Dos horizontes turvos pela canícula do meio da tarde,
Onde as montanhas rasgam a monotonia e penetram na atmosfera,
Do monte rasteiro e tímido que resiste como os avôs,
Dos rios pequenos que se tornam no grande e se corrompem no fim,
Dos castelos esquecidos nos altos do presente,
Disto e de muitos com quem partilho o magma quente da vida...
A minha terra.

Dos toscos berlindes dos deuses, esquecidos desde o tempo da criação,
O meu olhar tem o tamanho do mundo,
Um mundo maior que as páginas impressas com o atlas mundial,
O meu olhar mais forte que Atlas,
O meu olhar mais rápido que qualquer pedaço de lixo ordenado para voar,
Viajando à velocidade da luz de aldeia a aldeia, montanha a montanha,
De Portugal onde me sento à Espanha, que o calor da distância cobre de cinzento quente.

Nenhum rei tem um trono como eu tenho!
Granito dos gigantes, esculpido pelos milénios de erosão,
Antes de qualquer deus ou ideia de o inventar.
Tenho pena dos que não existem no meu mundo,
Ignorantes da grandeza disto tudo, tão grandes se julgam na sua jaula de betão,
Apertados contra uma existência de horários e monóxido de carbono,
Com tanta pressa de chegar que se esquecem que é o caminho que vale a pena.
Serei torgueiro, mas livre e dono do meu caminho,
Desprezando qualquer fim e acumulação de inutilidades no nada.

Incapaz de produzir o prodígio de um carvalho inesperado
Que nasce de uma ínfima fenda na rocha granítica,
A abre como a mais difícil das mulheres,
E dela se torna existência,
Escrevo, tentando acompanhar, lado a lado,
Os passos que o vento não apaga, do conterrâneo que o espaço apagou,
Mas o tempo não apagará, enquanto houver gente,
Fragas inconscientes, giestas inocentes, torgas resistentes,
Palavras persistentes na dureza desta terra maravilhosa.

09.11.2009

Savonlinna

João Bosco da Silva

1 comentário:

  1. Mais um grande texto.
    Gostei imenso.
    Está muito lindo. Mostra aquilo que eu perco por não sr amante do campo.
    Obrigado por me lembrares.

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