quarta-feira, 11 de junho de 2025

 


Florzinhas de Estufa

 

São tudo saudades, portugal, ou memória curta,

Esse ódio carunchoso a tudo o que é outro,

Mais frágil quando na verdade igual, porque há estrangeiros

E estrangeiros, a uns beija-se o cu de bom grado,

Com olho no que brilha, tentam espremer-se ao máximo

Os barracos e as ruínas, o very typical, o provincianismo

Urbano como autenticidade, sempre orgulhosos

Do grandioso passado de descobridores do descoberto,

Sem nos dignarmos a esconder os nomes das ruas

Da vergonha, esclavagistas que detestamos quem

Nos alimenta a preguiça e a boa vida,

Adoradores de chico-espertismo e chauvinismo,

Racistas por ódio ao próprio sangue, machistas por sensibilidade

E tradição, não há maior florzinha de estufa que um fascista,

Tudo o incomoda, o pior é a paz dos outros, a felicidade então,

Deixa-o cego de raiva, só o eu está certo, cego, virado para dentro,

Se pudesse enrababa-se a ele mesmo e tinha pequenos

Clones fascistas, o outro é tudo o que está mal na sua vidinha,

Para quem só vê o próprio umbigo, esquece-se de olhar o espelho

E ver que o problema, na verdade, está nele, fechado

Na saudadezinha com cheiro a mofo, criando a realidade

Mentira a mentira, esfolando um pobre bode de cada vez,

Até que, sem se dar conta, no fim, só sobra ele e a faca na mão

Do adorado líder, o tal que dizia as verdades ou o que se queria ouvir,

Até ser a hora de se tornar, inevitavelmente, também ele no outro,

E afinal, a falange que julgava ser, apenas mais carne para canhão.

 

11.06.2025

 

Turku

 

João Bosco da Silva

quarta-feira, 14 de maio de 2025

 


Aos Pares

 

Era a professora de história ou tu,

O luar era só um, a vontade múltipla,

Acabaste por ser tu primeiro contra o vazio

E a professora a uivar com uma pressa

De sutiã no velocímetro a contar rotações,

Terias preferido que depois de me sacudir em ti,

Uma pressa de mini e matraquilhos barulhentos,

Pouco nos interessavam já os dramas pequenos,

Iria partir, como estava sempre de partida

E nada seria nunca para durar,

A não serem os ecos daquelas rãs vida fora,

Como se não tivessem havido tantas outras professoras,

Cada uma com uma nova lição, uma nova surpresa

Atrás das mesmas pregas de sempre,

Nunca tive medo aos anos oitenta, nem a passado

Nenhum, os mapas de papel, nunca mudam,

Mesmo que o mundo, agora, seja outro.

 

Turku

 

14/05/2025

 

João Bosco da Silva

quinta-feira, 8 de maio de 2025

 


Ar Fresco da Serra

 

Lembro-me do fim do verão no teu casaco de ganga

Na serra, ao pé de uns baloiços, estacionados na escuridão,

Sei lá na companhia de que lobos, toalhetes já secos,

Papel higiénico onde futuros arrastados do exterior

Dos ventres férteis de fome e sede, mas era à confiança

E lá me deixava cair todo eu, rasgando-me em jactos

Que mais tarde acabava por usar para facilitar

Um segundo mergulho e um anel cremoso, nosso,

A surgir na minha vontade reacendida pelo teu pescoço

Ao ténue luar, e mais uma vez saltando de olhos abertos

No teu acolhedor abismo, num estremecimento vazio,

Não recordo toalhetes ou papel higiénico depois,

Umas cuecas rápidas, a conter a viscosa prova do vício,

E assim, cheia do ar fresco da serra, regressavas furtivamente

A casa dos teus pais, porque tu recém separada

E eu um café com uma amiga, escorrendo-te pelas coxas abaixo.

 

Turku

 

08/05/2025

 

João Bosco da Silva

sexta-feira, 2 de maio de 2025

 


Todos os Caminhos

 

Gosto do cheiro a sabão barato, das barbearias,

Do desodorizante Tabac original, é como abraçar

O meu pai ainda jovem, aprumado à maneira possível

Aos pobres, gosto de fatos treino retro e campos de ténis

Cobertos por folhas de eucalipto e esquecimento,

Gosto de modas passadas e hábitos perdidos,

Gosto de ouvir pela primeira vez músicas pop japonesas

Dos anos oitenta, é como limpar a familiaridade

E voltar a não saber ler e ser feliz na forma bruta,

Estranhamente tudo isto me leva ao Parque Termal do Peso,

No cérebro, todos os caminhos vão dar ao início da caminhada,

O fim é aproximar-nos do início.

 

Turku

 

01/05/2025

 

João Bosco da Silva

 


Mijar na Cama

 

Quando era garoto, às vezes, quase acordava,

Num quarto absolutamente escuro e o vazio

Parecia-me infinito, a cama flutuava num vazio total,

Tão grande que podia muito bem ser um caixa fechada

E o tecto bem perto, intocável pela minha paralisia,

Quase acordava numa vertigem de nada,

Incapaz de alcançar o interruptor do candeeiro,

Ou um grito que me acordasse, mas só silêncio

Do tamanho da escuridão, era provavelmente

Nesta altura que mijava na cama.

 

Turku

 

01/05/2025

 

João Bosco da Silva

quinta-feira, 1 de maio de 2025

 


Velha Camisa

 

O que restará de ti, nesta camisa, onde

Te verteste com uma força além da vontade,

Eu surpreendido com a calibração fisiológica

Dos teus dezanove ou vinte anos,

Já depois de ter contemplado a minha sorte,

Quando de tanga preta, caminhaste até

À casa de banho, para te refrescares de coragem,

Antes da minha fome lapouça, desabar sobre ti,

Fazendo-te explodir no meu maravilhado lambuzamento,

Naquela noite tinhas saído decidida a não dormir

Enxuta, às vezes quando gozo muito acontece, dizias,

Não me lembro sequer do teu nome,

Mas sempre que visto esta velha camisa,

Lembro-me da cicatriz na tua perfeita nádega esquerda

E pergunto-me, o que restará de ti nela.

 

Turku

 

01/05/2025

 

João Bosco da Silva

 


Aniversário à Beira do Rio

 

para quem bem sabe,

 

Amanhã lá estaremos de novo, à beira do rio,

O barulho do motor de rega a esconder-nos

Da luz do dia, o teu cabelo a enrolar

À medida que a humidade aumenta,

Os choupos a fazer uma sombra desnecessária

Num dia de céu de leite, de novo,

Desta vez, longe da cave escura, onde te refugiavas

E comias iogurtes, nas intermitências da loja

De roupa, do shopping onde trabalhavas,

E acabávamos com a caixinha de três,

Já não contava com mais e afinal, pedias-me,

Eu já seco, pedias-me que me corresse,

Eu ofegante, depois de ter galgado todas

As possibilidades abertas do teu corpo, me pedias,

Que me corresse na tua boca, e amanhã,

Lá estaremos uma vez mais, tão longe hoje,

À beira do rio, dizes que não te lembras da minha voz,

Eu não me lembro da textura dos teus lábios,

Culpo todos os aniversários que vieram sem ti,

O silêncio daquele motor de rega.

 

 

Turku

 

01/05/2025

 

João Bosco da Silva

domingo, 27 de abril de 2025

 


O Meu Filme Favorito de Kurosawa

 

O meu filme favorito de Kurosawa,

Não é o que vi mais vezes e foi o que ditou

A separação de Toshiro Mifune e Akira Kurosawa,

Por causa de uma barba de dois anos,

“Amigos amiguinhos, negócios à parte”,

É um filme doloroso, sobre crescimento,

Portanto longo e difícil, sobre humilhados e ofendidos,

A miséria que é tão humana quanto a compaixão,

Mas também a crueldade, é dostoievskiano,

O último filme a preto e branco de Kurosawa,

Contudo, o filme que vi uma dúzia de vezes

É outro, Yojimbo, cada vez que o vejo,

Dependendo do humor e seriedade no momento,

É sempre um filme diferente, apesar do familiar enredo,

Tão bem copiado por Sergio Leone no seu

Por Um Punhado de Dólares, é a história,

Tantas vezes repetida, de um destemido homem sem nome,

Trazido pela força do destino a uma terra que sofre

Esmagada entre a vontade de poder e a ganância dos poderosos,

Um anti-herói acariciado pelo vento, cómico,

Sem passado ou futuro, que rasga o presente,

Marcando a vida dos que toca, fazendo justiça

Onde a justiça ou não chega, ou é covarde para se manifestar,

O Barba Ruiva é sempre um filme sério,

Independentemente do meu humor, por isso, afinal de contas,

O meu filme favorito de Kurosawa, não seja

O meu filme favorito de Kurosawa, mas fica melhor

Mostrar um ar sóbrio e circunspecto.

 

25/04/2025

 

Turku

 

João Bosco da Silva

sábado, 26 de abril de 2025

 


Entre Amigos

 

para a Tatiana Faia,

 

Passamos juntos o feriado quase todo,

Acompanhaste-me na sesta da Alva,

Depois, na minha hora livre, fomos

Até ao tasco do costume, depois reparei

Que já restava pouco de ti

E com delicadeza, coloquei-te entre

Os abacates, os toalhetes de bebé

E o cottage cheese, de manhã, ainda quero

Beber um café e água com gás contigo,

Enquanto a Alva, com o pequeno-almoço,

Pinta a absoluta resposta.

 

25/04/2025

 

Turku

 

João Bosco da Silva


sexta-feira, 25 de abril de 2025

 


Abril

 

Escrever em abril sempre me deu um prazer especial,

Lembro-me particularmente dum fim de tarde,

Antes dos meus dezoito anos, depois do dia passado

Na aldeia da minha mãe, sentado em frente ao monitor,

Sentindo o peculiar cheiro do dia que arrefece,

Enquanto o laranja fogo se troca por um azul ainda quente,

Um dia livre, de feriado, sem adiamentos,

E os meus dedos como o dia, jovens como a primavera,

Hoje o meu país é o mundo e a liberdade,

Parece-me, é como a felicidade, ou o amor eterno,

É um direito que nos entregam por favor,

Um cheirinho aqui ou ali, nunca o prato cheio,

Não vá a engrenagem saltar da maquinaria cega,

Que alimenta meia dúzia de porcos, num vagão

Em direção ao apocalipse, esse paraíso dos fascistas.

 

25/04/2025

 

Turku

 

João Bosco da Silva

quarta-feira, 23 de abril de 2025

 


Bukowski também esperou

 

Sonhei que amanhã ia ter teste de química,

Como habitual, esperei pela aula de revisões,

Para sentir o pânico que realmente me motivava

Naquela noite antes, chegava para ficar entre

Os cinco melhores, mas a aula de revisão

Era um teste surpresa, então bloqueei,

Também sonhei com uma colega minha,

Mas isso, fica para outros versos,

Era para escrever sobre sonhos,

Mas dou-me conta, depois de mais uma nega

De uma editora, que enviei o livro inédito

Para quase vinte editoras, das quais umas três,

Responderam basicamente da mesma forma,

As outras nada, estou certo que escrevo agora

Melhor que há dez ou vinte anos,

Mas tenho quase quarenta anos,

Perdi certamente o brilho que atrai o cio das traças,

O melhor é voltar a adormecer, pode ser

Que a minha colega ainda lá esteja, à espera.

 

Turku

 

23/04/2025

 

João Bosco da Silva

 

terça-feira, 15 de abril de 2025

 


Cá Estamos Nós Outra Vez

 

Aos poucos, vamos esquecendo,

Quem já há muito também não nos lembra,

Amores e insónias, nomes que quase ficam,

As faces ou já não são ou mentem por caduquez,

Não faz mal, nada é para ficar, nada é,

Isso o tempo nos mostrará quando voltar tudo

Para o milagre de onde saiu,

Não o que tanto se quis, até a madrugada

Fechar os cafés já vazios de tudo menos

De ilusão, vício e cio, aos poucos,

Também eu quase nem me lembro de ti,

Contudo, este não é um dos casos.

 

15/04/2025

 

Turku

 

João Bosco da Silva

domingo, 13 de abril de 2025

 


This Mortal Coil

 

Depois de cinco cervejas, já ninguém espera muito de ti,

Eu também não, mas já escrevi três poemas hoje

E este é o quarto, não espero nada mais que isto,

Espremi bem os limões, agora lambo as feridas,

A neutralidade do vazio, muitas vezes basta, o futuro

Está assegurado, o meu silêncio nunca será absoluto,

É esse o alívio último desta mola mortal.

 

11/04/2025

 

Turku

 

João Bosco da Silva

sábado, 12 de abril de 2025

 


Num Café de Kaurismäki

 

para a Raquel Nobre Guerra,

 

Sempre me encontrei nos diálogos de Kaurismäki,

Aqueles dos gestos do silêncio, da dor nos olhos,

Na mão que agarra o copo de cerveja já morta,

Mais uma, só mais uma, a adiar uma obrigação,

Um trabalho que consome a alma por uns trocados,

Uma miséria qualquer, o ridículo cómico da vida,

Dos pequenos que somos a grande maioria,

Os sonhos a preto e branco do povo,

O silêncio, o silêncio que ecoa na prostração

Dum olhar, a tensão infinita do silêncio,

As despedidas breves e eternas, sexta-feira

À noite num café, a música sobrepõe-se ao vazio,

Despe o silêncio, ouço o toque das minhas mãos

Que seguram o copo de cerveja, um velho olha

Para as máquinas de poker, um esgarra no vazio

Do seu interior, a empregada ruiva, filha do dono,

Olha através da janela enquanto agita um copo

Com gelo, ouço-o a bater no vidro, que pensará ela,

Em silêncio, tanto, tão longe, aquele olhar melancólico

E o copo vai à boca e parece que nos olhos lhe nasce

Um sorriso triste como um café de Kaurismäki.

 

11/04/2025

 

Turku

 

João Bosco da Silva

 


 


Nietzsche, Sestas e Vinhas

 

Sabes o que me lembra isto, minha filha,

Enquanto dormes sobre o meu peito,

E aproveito o silêncio para ler o que ficou

Por ler na minha adolescência,

Lembro-me de quando era um rapazola

E ia para a vinha com o meu pai,

Ele ia sulfatar, cavar ou podar, o que fosse,

Eu ficava sentado no caminho a ler

Um livro do qual pouco compreendia,

Hoje minha filha, que compreendo muito mais

Do que leio e tudo me surpreende menos,

Nunca trocaria entrar na vinha,

Sujar as mãos com o meu pai,

Por todos os livros do mundo, os livros

São eternos e há sempre tempo para eles,

Se este livro que seguro te acordasse,

Te afastasse do meu peito, podes ter a certeza

Que o pousaria logo de seguida.

 

Turku

 

11/04/2025

 

João Bosco da Silva

sexta-feira, 11 de abril de 2025

 




O Último Dobra-Ventos

 

Na segunda classe julgava que controlava o vento

Com o pensamento, pensava, para, e parava,

Pensava, regressa, e regressava, mais forte, e soprava

Com mais intensidade, isto a caminho da escola,

Pelas ruas daquela velha aldeia minhota,

Que os meus joelhos bem conheciam,

Cada paralelo que rasgava a minha carne inocente,

No regresso a casa, arrastado pela violência

Dos garotos mais velhos, que por força,

Me queriam atirar a uma fossa sanitária,

Não fosse de debaixo duma árvore, uma velhinha

Os assustar, se calhar por isso, controlava o vento

Com o pensamento, depois de uma oração, inútil,

Ao anjo da guarda, que muitas vezes estava de folga,

Ao menos controlava o vento, já que não podia

Confiar em quem me oferecia amizade

E depois me rompia a pele e me humilhava,

Perante os velhos amigos, eu que o garoto novo,

Sempre o garoto novo, mas que controlava o vento

Com a minha vontade, invisível, como o anjo da guarda,

As calças impermeáveis Kispo em segunda mão,

Que a emigrante da França tinha dado,

Impossíveis de remendar, os joelhos esses,

Há muito curaram, também perdi a habilidade

De controlar o vento com o pensamento,

Assim como a fé na humanidade.

 

11/04/2025

 

Turku

 

João Bosco da Silva


quinta-feira, 3 de abril de 2025


 

Romã

 

Não há ciência nenhuma, em comer uma romã,

Talvez paciência, um pouco de sacrifício,

Quando cuidadosamente, se remove a película

E grão a grão, para um pequeno prato,

Meu amor, para tu comeres, como fazia a minha mãe,

A vida deve ser vivida assim, não te concentres

No amargo, saboreia cada pequeno grão rubi,

Cada momento precioso e dá o melhor de ti

Aos que amas e te amam, sabes meu amor,

A romã, é também, a minha fruta favorita.

 

03/04/2025

 

Turku

 

João Bosco da Silva

 


Autocarro para o Hipocampo

 

Aquelas três mulheres de calças brancas,

À espera do autocarro de regresso,

Depois de tardes de intensa transpiração

Num pequeno quarto alugado,

Naquele início de verão,

Nunca foram verdadeiramente três,

Foram quatro, cinco, nem todas calças brancas,

Uma nem de autocarro vinha,

Muitas vezes a esperei na estação de São Bento

E lá íamos até Gaia ver as cores crepusculares

Na da Ribeira, contudo, tornaram-se numa ideia,

As três mulheres de calças brancas,

Sem um aspecto definido, nítido,

Como tudo o que é sonho ou memória,

Sem uma origem específica,

É como se a essência do meu desejo

Se tivesse cristalizado naquela imagem,

Três mulheres à espera no hipocampo.

 

01/04/2025

 

Turku

 

João Bosco da Silva

segunda-feira, 31 de março de 2025

 



Velha Pulseira

 

Não me lembro com exactidão, como se rebentou

O elástico da pulseira que trouxe do Quénia,

Noutra vida, antes da anterior, sem regatear

Para choque do vendedor, há quinze anos,

Há quase dez, todas as peças num saco, esquecida,

Como o nosso amor apagado, quebrado,

Há coisas que levam tempo, a curar, a apagar,

Esquecer algo ou alguém, até chegar um dia resoluto

Em que se decide pôr mãos à obra

E recuperar um objecto, um sonho do qual se desistiu,

Um velho amor, a própria vida, como quem sacode

Remorsos e arrependimentos, peças esquecidas

De uma pulseira há muito rebentada.

 

Turku

 

27-03-2025

 

João Bosco da Silva

sexta-feira, 28 de março de 2025

 



Linhas Paralelas

 

O sol recortado pelos estores, desenha linhas paralelas

Sobre a mesa de madeira, lentamente, impercetivelmente,

As linhas movem-se, também o coração bate e nem damos por isso,

Se não nos concentrarmos no eco da almofada

Numa noite de insónia ou no ofegante peso da idade no pós-coito,

Também a caneta passa nestas linhas mais óbvias,

Tão estáticas quanto tudo o resto dependendo da distância

E do tamanho do interveniente, nisto, a primavera chega,

Definitiva como sempre e só à noite, cada vez mais curta,

Ecos de mais uma depressão, coberta pelo fino pó deixado pelo inverno.

 

21/03/2025

 

Turku

 

João Bosco da Silva

quarta-feira, 26 de março de 2025

 


No Ar

 

Tenho escrito muitas vezes em pleno voo,

Existe uma certa redundância nisso,

Estar sem estar no lugar onde se está,

Estar alto, onde melhor cabem os sonhos

E as ilusões, entrar em queda livre,

Suster a respiração, olhar à distância,

Imaginar o resto que os olhos não alcançam,

Como devem fazer também os deuses,

Imaginam que está tudo bem,

É uma forma de esticar as pernas

Enquanto se está preso na viagem,

Quando finalmente se sai do avião,

A vida regressa num país diferente,

Outro peso no ar, outros cheiros, o mesmo fim.

 

Florença-Amesterdão

 

10/03/2025

 

João Bosco da Silva

 


“mas é na ausência de tudo que

mais me reconheço.”

Luísa Freire

 

A palavra infinito tem uma extensão

Que a nossa compreensão não abarca,

A palavra em si, finita, com início e fim

Bem definidos, é como o que nos cabe

Nos olhos à noite e olhamos o céu limpo

E pensamos, universo, tudo nos cabe

Nas palavras, tantos inícios e fins

A caminho da eternidade.

 

Siena

 

09/03/2025

 

João Bosco da Silva

sábado, 22 de março de 2025


 

Pisa e Castlevania

 

A primeira vez que aqui estive, apesar de ainda o corpo jovem,

Foi bem mais difícil subir a torre até ao topo,

Os vassalos do Drácula pelo caminho a semear pesadelos,

Pelo que a mãe de hora a hora, anunciava a falha na luz

E de facto um interruptor dava um estalido,

Porque não estava também a máquina a lavar,

Mas naquele tempo não planeava tão bem as coisas,

Apesar de ter mais tempo pela frente, vivia-se com mais pressa,

Com um pé sempre no amanhã, hoje, a primeira vez de facto

Que subo esta torre, que tantas vezes em sonhos,

Acordado ou não, me visitou, do que me lembro é daqueles momentos,

Em que contrarrelógio, tentava subir a torre, tão diferente,

Tão maior quanto terrível, naquele jogo Castlevania.

 

Pisa

 

07/03/2025

 

João Bosco da Silva

quarta-feira, 19 de março de 2025

 


Grave

 

Sob este azul imaculado, rodeado de montes,

Vinhas e olivais, só estranho a língua,

Mas nem tanto, um maior respeito pela arquitectura,

Uma história cuidada mais bem contada e universal,

Mas isso é apenas humano, nada nos une tanto

Quanto o vinho e o azeite, torna-nos o sangue irmão.

 

Grave in Chianti

 

06/03/2025

 

João Bosco da Silva

terça-feira, 18 de março de 2025

 


Piazza della Passera

 

“E ainda hoje me pergunto: será que exististe?

Teu rosto agora um desenho esfumado e

confuso que o pó dos anos foi apagando.”

 

Luísa Freire

 

Num restaurante da Piazza della Passera, olhando à volta,

As paredes mal grafitadas dos edifícios, os remendos nas paredes,

Vejo algo de Porto, algo teu, sinto quase aquela tua presença,

Naquela noite em que me levaste a bares de ruas quase vazias,

Quando isso era possível como o eco dos nossos passos nos paralelos,

Viveste muitas vidas, dizes-me, eu continuo na mesma,

Como uma cidade antiga que nunca foi completamente demolida,

Erguendo ruína sobre ruína, ouvindo o ruído de ruas desconhecidas,

Rumores bem familiares vindos de outros tempos, outras gentes,

O mundo é bem um só, coubesse todo ele numa vida.

 

Florença

 

05/03/2025

 

João Bosco da Silva